BRASIL (1)
UM FIM
DE TARDE PARA MIM INESQUECÍVEL
(12 de Setembro de 2014)
Por Teresa Martins Marques
I
DA EXCELÊNCIA DAS PESSOAS E DA INSTITUIÇÃO
Durante o nosso périplo brasileiro, na curta passagem por São Paulo, fui
convidada pelo Prof. Dr. Humberto Lima de Aragão Filho para fazer uma palestra
sobre violência doméstica, a partir do meu romance A Mulher que Venceu Don
Juan. (Âncora Editora, 2013) O público alvo muito simpático e caloroso era
constituído por alunos de Direito,
Pedagogia, Comunicação Social e Gestão Comercial, das Faculdades Integradas Rio
Branco, uma organização sem fins lucrativos, criada por associados do Rotary
Club de São Paulo, em 1946. Uma instituição de referência: as salas de aula e o
auditório excelentemente equipados; a vasta biblioteca de consulta livre, ao
estilo das melhores da Europa e dos EUA, cuidada pela sua coordenadora Drª Alice K. Matsumoto,
como santuário dos livros. Depois do passeio pela aprazível alameda interior,
com um belo espelho de água e vegetação
luxuriante, aguardava-nos um belo cocktail de recepção. É bom ser professor ou
aluno neste espaço paradisíaco. É igualmente muito bom ser visitante!
O convite
que nos fora feito obtivera o apoio das seguintes personalidades, a quem
agradeço penhorada: Prof. Dr. Edman Altheman, Director Geral das Faculdades
Integradas Rio Branco; Prof. Dr. Alexandre Uehara, Director Académico; Prof.
Dr. Paulo Sérgio Feuz, Coordenador do Curso de Direito; Prof.ª Fabiana
Malandrino, Coordenadora do Curso de Pedagogia;
Prof.as Ivana Ribeiro e Virgínia
Maria Antunes de Jesus, que deram sustentação ao propósito de realizar
este evento.
O
Prof. Dr. Humberto Lima de Aragão Filho iniciou a vida académica na Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e viria a frequentar mais
tarde o Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas, onde se tornou bacharel
em Teologia. Seguidamente, cursou Filosofia na Universidade de Mogi das Cruzes
e graduou-se em Letras pela Universidade de São Paulo, onde obteve os graus de
mestre e doutor com a tese intitulada “A intencionalidade do tríptico de
Lisboa”, na obra de José Rodrigues Miguéis. Actualmente é professor dos cursos
de Direito, Relações Internacionais e Comunicação Social nas Faculdades
Integradas Rio Branco, em São Paulo e professor convidado da Escola Paulista da
Magistratura (EPM).
A Profª Virginia Maria Antunes de Jesus é
mestre e doutora em Letras (Literatura Portuguesa) pela Universidade de São
Paulo, com uma tese sobre «Miguel
Rovisco - O Teatro da História». Pós-graduada em Teoria Literária: Comunicação
e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, possui graduação
em Pedagogia e em Letras Português,
Francês e Italiano pela Universidade de
São Paulo. É professora na graduação e nos cursos de MBA das Faculdades
Integradas Rio Branco e na pós-graduação em Bioética e Pastoral da Saúde do
Centro Universitário São Camilo. Integra o NCE/ECA-USP como tutora e
orientadora de trabalhos de conclusão de curso do projeto Mídias na Educação do
MEC/SP, em projectos de educação à distância e
na área de Metodologia da Pesquisa Científica e Letras, com ênfase em
Línguas e Literatura Brasileira, Portuguesa, Francesa e Italiana. É consultora
associada da WellCom - comunicação sem fronteiras, empresa de consultoria
empresarial multilíngue e desenvolvimento cultural.
A Profª Ivana Maria Ribeiro possui graduação
em Serviço Social, Licenciatura em Filosofia e Mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Professora das Faculdades Integradas Rio Branco nos cursos de Pedagogia,
Administração de Empresas, Análise de Sistemas e Economia. Na modalidade de EAD
actua nos cursos de Administração, Comunicação Social, Direito e Relações
Internacionais. Membro do Conselho Editorial da Revista Electrónica “Acolhendo
a Alfabetização nos Países de Língua Portuguesa”, da Faculdade de Educação da
USP. Directora académica do Yázigi Internexus em Itu/SP (2005-2009). Directora
do Movimento Paulo Freire/SP (1998-2000). Membro da Cátedra Paulo Freire da
PUC/SP (1998-2006). Educadora Social do Núcleo do Trabalhos Comunitários da
PUC/SP (1996-1999). Educadora Social do Instituto Paulo Freire Brasil
(1999-2000). Apaixonada por música, fotografia e poesia colecciona os seus
trabalhos no “Baú dos Pensares”.
II
DA AMIZADE
Falar do Prof. Humberto de Aragão Filho é
falar de um comunicador nato, de um verdadeiro gentleman. Construímos ao longo
dos anos uma amizade sem mácula, baseada na solidariedade literária à volta de
José Rodrigues Miguéis. Não é fácil descrever o
sorriso claro, a vivacidade do olhar que nos esperava de braços abertos
em Guarulhos! Lembro a primeira vez que
Humberto e eu nos encontrámos pessoalmente. Foi em Outubro de 2001, no Padrão
dos Descobrimentos, nas Comemorações do nascimento do autor de «Saudades para a
Dona Genciana». Estávamos sentados, por acaso, um ao lado do outro, quando o
Humberto descobriu que eu era a autora d’ «O Imaginário de Lisboa na Ficção
Narrativa de José Rodrigues Miguéis», cuja leitura o meu amigo Onésimo Teotónio
Almeida tinha aconselhado ao Humberto, quando este preparava a tese de
doutoramento sobre o escritor. A empatia mútua aconteceu à primeira vista.
Risonho, caloroso, simpático, logo no Natal de 2001, o presente do Humberto
bateu à minha porta e nunca mais deixou de bater, até hoje.
Em Novembro de 2003 fui palestrar à USP,
convidada pelos Profs titulares Francisco Maciel Silveira e sua mulher Flávia
Corradini, e lá estava o sorriso do Humberto na primeira fila. No final da
sessão convidou-me para jantar em sua casa, onde tive oportunidade de conhecer
a simpática Vilma e os seus fantásticos filhos, todos eles hoje bem lançados
internacionalmente, com carreiras fulgurantes.
Em 2008 voltei à USP, a propósito das
comemorações dos duzentos anos da ida da Corte para o Brasil, e lá estava de
novo o sorriso do Humberto a encher a sala. O mesmo sorriso, sem tirar nem pôr,
que nos esperava agora à chegada a São Paulo. Foi bom ter ao meu lado, na mesa
da sessão, os meus amigos Profs Francisco Maciel Silveira e Flávia Corradin,
cuja presença muito agradeço. Com eles tínhamos estado, na semana anterior, no
Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, no simpósio organizado
pela Prof. Dr.ª Gilda Santos, sobre o qual falarei noutro lugar. Ambos fazem
parte do «Site Pala-vra», competentemente dirigido pelos Profs Humberto de Aragão e Ivana Ribeiro, no qual
também tenho o gosto de participar. Foi muito bom ter na mesa o meu companheiro
Ernesto Rodrigues, também ele especialista da obra de Miguéis, tendo levado a
cabo a edição crítica do romance O Pão não Cai do Céu (in Mágico Folhetim -
Literatura e Jornalismo em Portugal, Lx.,1998).
Last but not least, não tenho palavras bastantes
para agradecer a todos os alunos maravilhosos, simpáticos, afectuosos que me
estimularam com a sua atenção e também com pertinentes perguntas no final da
sessão.
No
próximo mês de Novembro, lá encontraremos novamente o nosso amigo Humberto em
Paris, na Sorbonne Nouvelle, participando no Colóquio «Décalages» que o Prof.
Dr. Georges da Costa organiza com mão sábia, sobre José Rodrigues Miguéis. Aí
será apresentado o volume crítico prefaciado e organizado por Humberto de
Aragão – «Um exílio chamado saudade: antologia sobre José Rodrigues Miguéis»
(São Paulo, Editora Intermeios, 2014) reunindo ensaios de Massaud Moisés,
Adolfo Casais Monteiro, João Alves das Neves, Cassiano Nunes, Jorge de Sena,
Georges da Costa, Onésimo Teotónio Almeida e Teresa Martins Marques. Pela
diversidade de textos nele incluídos, e pelo cuidado da sua organização,
trata-se de um volume de referência para todos quantos desejam conhecer melhor
a obra do autor de A Escola do Paraíso.
III
NOTAS
BIOBIBLIOGRÁFICAS SOBRE JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS
Escritor português (Lisboa, 1901 - Nova
Iorque, 1980). Filho de Maria Adelaide Rodrigues, natural de Góis, Beira Alta e
de Manuel Maria Miguéis Pombo, natural de Santiago de Borbén, província de Pontevedra.
Licenciado em Direito (Lisboa, 1924) e em Ciências Pedagógicas (Bruxelas,
1933). Foi temporariamente advogado, delegado do Ministério Público e professor
do ensino secundário. Atento à imprensa periódica, colaborador d’A República e
da Seara Nova, dirige o semanário O Globo (1933) com Bento de Jesus Caraça e
envolve-se em movimentos de intervenção cívica democrática. Vendo o seu nome
censurado nos jornais, vai em 1935 para os EUA, onde acabará por se fixar e
viver a maior parte da sua vida. A partir de 1942, e durante cerca de dez anos,
exerce funções de Assistant Editor das Seleções do Reader’s Digest. Colabora
regularmente na imprensa de Lisboa, dedicando-se também à tradução de grandes
autores como Stendhal, Carson McCullers, Erskine Caldwell, F. Scott Fitzgerald.
A obra de José Rodrigues Miguéis configura-se
predominantemente ao nível da ficção narrativa e da crónica-ensaio. Coetânea do
presencismo e do neo-realismo, é relativamente independente do cânone rígido
daqueles movimentos, situando-se numa zona de intersecção entre ambos, gerando
sínteses originais. Leitor atento de Camilo e de Eça, revela-se mestre da
ironia e do humor, problematizando as contradições sociais, analisando o
sujeito individualmente considerado, não raro em situação limite de amargura e
de perda, mas também em busca de identidade, oscilando entre o regresso como
forma de esperança e a fuga como expressão de desistência, a que não é alheia a
herança de Raul Brandão.
São em número de seis os romances de JRM:Uma
Aventura Inquietante (1958), que sob um enredo policial denuncia as
arbitrariedades da Justiça, revelando em simultâneo a «gastronostalgia» do
expatriado na Bélgica, que só dá valor à Pátria quando se encontra longe dela;
A Escola do Paraíso (1960), revelando algumas
características do romance de formação, é centrada na infância do herói,
decorrida entre o fim da Monarquia e os alvores da República, concedendo
particular destaque à figura da mãe e à da cidade-berço;
Nikalai! Nikalai! (1971), história pícara que
retrata uma comunidade de russos brancos sediada em Bruxelas, após a revolução
soviética, a qual pretende repor no trono o czar Nicolau II;
O Milagre segundo Salomé (1975), grande fresco
da sociedade lisboeta, da ambiência depressiva que correspondeu à degradação
dos sonhos republicanos, que culminaria no golpe de 28 de Maio de 1926;
O Pão Não Cai do Céu (1981), a sua obra mais
conforme ao cânone neo-realista, onde se destaca a figura do «cigano», herói
épico, símbolo unificador da luta pela terra e pela liberdade na planície
alentejana;
Idealista no Mundo Real (1986) que
problematiza as contradições de um jovem magistrado colaborador da Seara Nova
em busca da sua identidade ideológica e social.
Serão, contudo, a novela e o conto que
tornarão JRM referência obrigatória entre os melhores no género:
Páscoa Feliz (1932) – Prémio da Casa da
Imprensa – revela-se um dos mais penetrantes retratos da desagregação mental do
sujeito até ao limite da loucura e do crime, temática que será retomada com
menor dramatismo e expressividade na peça de teatro O Passageiro do Expresso
(1960).
A problemática da dissolução do sujeito,
associada a elementos fantásticos, constitui também a linha de força da
narrativa «A Mancha não se Apaga» (Onde a Noite se Acaba, 1946). De Léah e Outras
Histórias (1958) – Prémio Camilo Castelo
Branco – destacam-se as narrativas «Léah» e «Saudades para a Dona Genciana» . A
primeira, oscilando entre a carta e o diário, constitui-se como solilóquio
confitente de um medroso e tímido narrador, evocando a mulher amada e perdida;
a segunda, que considero a obra-prima da ficção migueisiana, construída sobre
uma dupla sinédoque: Dona Genciana representando o espaço humano da Avenida
(Almirante Reis), e esta, por sua vez, representando a cidade de Lisboa, vista
disforicamente no passado e euforicamente no presente da rememoração,
depreciadas ambas pela vivência e também ambas glorificadas pela memória,
testemunhas de um espaço-tempo relíquia, que a saudade faz re(vi)ver.
A
condição do imigrante constitui-se como eixo temático dominante nos contos de
Gente da Terceira Classe (1962) a que não é alheia a experiência autobiográfica, força motriz da
obra migueisiana no seu conjunto, que se assume explicitamente em Um Homem Sorri
à Morte – Com Meia Cara (1959) onde o sofrimento perante a ameaça do fim se
transmuta pela coragem e pela vontade, em vitória da vida e da esperança.
Pass(ç)os Confusos (1982) reedita o livro de contos Comércio com o Inimigo
(1973) bem como um conjunto de narrativas anteriormente publicadas na imprensa.
A produção genericamente considerada como
crónica foi reunida em três vols.: É Proibido Apontar – Reflexões de um Burguês
I (1964); O Espelho Poliédrico (1973); As Harmonias do Canelão – Reflexões de
um Burguês II (1974). Aforismos &
Desaforismos de Aparício (1996, ed. OnésimoT. Almeida) reúne textos publicados
no Diário Popular sob o título de Tablóides, subordinados a temáticas diversas
na área político-cultural, de que se destacam os conceitos de liberdade e de
arte, bem como o papel dos intelectuais nas sociedades modernas.
Teresa Martins Marques
Este texto foi também publicado em: http://www.rtp.pt/icmblogs/rtp/comunidades/?k=BRASIL-1-UM-FIM-DE-TARDE-PARA-MIM-INESQUECIVEL-por-Teresa-Martins-Marques.rtp&post=48374
Eu tive enorme privilégio de estar presente a esta palestra. Formidável como a Dra. Teresa tem um profundo conhecimento de Brasil, aliás, não apenas de Brasil, mas de algumas de nossas normas jurídicas a ponto de fazer comparações incríveis em vossa palestra.
ResponderEliminarFoi realmente gratificante.
Agradeço a todos os envolvidos, Dra. Teresa Martins, ao meu mestre Prof Humberto de Aragão, minha mestra Profa. Virgínia, aos Diretores e aos Srs. convidados por terem-me proporcionado noite tão agradável na presença de todos!
Parabéns Dra. Teresa Martins!