COMENTÁRIO DA PROFª ISABEL CRISTINA RODRIGUES
(Universidade de Aveiro)
ao romance A MULHER QUE VENCEU DON JUAN (Âncora Editora, 2013)
(Universidade de Aveiro)
ao romance A MULHER QUE VENCEU DON JUAN (Âncora Editora, 2013)
Olá, Teresa. Queria dizer-lhe que acabei ontem de ler o seu livro, de que tanto
gostei. Não é, como nunca seria um livro seu, um texto a mostrar que é escrito
por alguém que sabe escrever, coisa que não faz nunca quem sabe de facto
fazê-lo. E em tudo o resto a Teresa põe o dedo na ferida, com a precisão de um
bisturi e a amplitude de uma cultura que não permite a concessão ao lugar
comum, o que, dado o tema, seria uma quase fatalidade em mãos menos hábeis e
calejadas.
Há páginas e diálogos irrepetíveis e ri a bom rir com a imagem do Manaças a
tanguear em Buenos Aires, sob o olhar irónico da Maria Eunice. Quase pude ouvir
a voz dela, com o seu sotaque gaúcho sempre afiado pelo gume certeiro da
ironia. Quanto aos Don Juans, a não ser que sejam psicopatas perdidos como a
ricura do Amaro, é deixá-los à mercê do seu próprio veneno e da sua pouquidão.
Conheço alguns e à vista está a pequena miséria que os vai corroendo - a
solidão e a consciência dessa mesma solidão.
Beijos grandes e gratos da Isabel.
NOTA BIOBIBLIOGRÁFICA
Isabel Cristina Rodrigues nasceu em Coimbra (Portugal) em 1967 e é docente
da Universidade de Aveiro desde 1991, onde se doutorou, em 2006, com uma dissertação
sobre a obra de Vergílio Ferreira, intitulada A Palavra Submersa. Silêncio e Produção de Sentido em Vergílio Ferreira,
a publicar proximamente pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Tem diversos
ensaios publicados em revistas portuguesas e estrangeiras e ainda dois outros
livros sobre Vergílio Ferreira (A poética
do romance em Vergílio Ferreira (Colibri, 2001) e A vocação do lume. Ensaios sobre Vergílio Ferreira (Angelus Novus, 2009)),
desenvolvendo presentemente a sua docência e investigação no âmbito da Teoria
da Literatura e da Literatura Portuguesa Contemporânea.
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Isabel Cristina Rodrigues é
professora na Universidade de Aveiro. Na sequência de uma já longa dedicação à
obra de Vergílio Ferreira, acaba de editar, na Angelus Novus, o volume
ensaístico A Vocação do Lume. Publicaremos, a partir deste post inicial, uma
entrevista que a autora nos concedeu sobre o seu livro.
Pode apresentar este livro aos
leitores? De que consta, de facto?
Este livro reúne uma série de textos
que, ao longo de alguns anos (2000-2005), fui escrevendo sobre a obra de
Vergílio Ferreira e que foram sendo apresentados numa série de colóquios,
alguns dos quais sobre a obra do escritor. Apesar de todos os ensaios que aqui
se encontram terem sido já publicados (em volumes de actas dos referidos
colóquios ou em revistas de literatura), pareceu-me que eles apresentavam uma
certa unidade e que poderiam, por isso, ganhar com o seu agrupamento num volume
único. É claro que, se fosse a escrevê-los hoje, pelo menos em alguns casos a
escrita seria já outra, diferente daquela que foi, mas ainda assim não me
pareceu oportuno alterá-los em profundidade, pela simples razão de que cada um
deles tem a idade que tem, o que significa que têm exactamente a idade que eu
tinha ao escrevê-los e assim é que deve estar certo. Por outro lado, a relativa
unidade que vim agora a encontrar nestes ensaios mostrou-me que, mesmo sem ter
tido disso plena consciência, o trilho que eu persegui, desde o início, na
abordagem da obra de Vergílio Ferreira (no fundo, o da manifestação literária
do fogo como metáfora do limite e da sua ambivalência) se manteve sempre sem
praticamente nenhum desvio de rota, o que não deixa de ser curioso. Apesar de
eu não me considerar uma pessoa nada narcisista, este facto se calhar diz mais
de mim do que da obra do escritor, mas provavelmente é sempre assim com tudo o
que escrevemos. Eu costumo dizer aos meus alunos que, mais do que aquilo que
sabemos, ensinamos sempre aquilo que somos e, obviamente, isso é também visível
em algo tão pessoal como a escrita.
Pode explicar-nos o título do
livro?
De certo modo acabei de o fazer.
Como também escrevo na curta nota prefacial do livro, a obra de Vergílio
Ferreira foi-se consolidando, praticamente desde o seu início, sob o signo do
lume, essa matéria incandescente de que é feito o homem, com as suas
inquietações e os seus sonhos, procurando sempre na ambivalente experiência do
fogo (que destrói, mas que ilumina e purifica também) uma implícita via de
acesso ao sentido. Por isso A Vocação do Lume. A decisão de manter no título a
palavra lume em vez de fogo decorre de uma espécie de homenagem que me apeteceu
fazer às raízes beirãs do autor, sobretudo às duras invernias da Beira-Alta
onde sempre crepitava, por entre rudes panelas de ferro, o lume acolhedor da
infância, tantas vezes referido em algumas das suas obras. Embora as panelas de ferro estejam cada vez
mais em desuso, ainda hoje nas franjas da Serra da Estrela ninguém diz «vou
acender a lareira», mas «vou acender o lume». E ser beirão, pertencer
simultaneamente à dureza e ao silêncio daquela terra foi também para Vergílio
Ferreira uma vocação.
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