Teresa Martins
Marques, conhecida professora e investigadora da Faculdade de Letras de Lisboa,
lançou este Natal o seu primeiro romance, A Mulher que venceu D. Juan (Âncora
Editora). Uma verdadeira surpresa para quem não navega nas ondas cibernéticas e
uma comprovação em papel para quem seguiu a construção semanal, entre
2012 e 2013, deste romance no Facebook, partilhado por inúmeros
"amigos" da autora. Eis que o que se alojava no espaço virtual
passou, como nova versão, ao espaço real das livrarias de todo o país, para
gáudio dos leitores menos informaticamente voluntariosos.
Literariamente,
Teresa Martins Marques deu que falar pela primeira vez em 1989 quando venceu o
Prémio de Ensaio José Régio com o manuscrito O Eu em Régio: a Dicotomia de
Logos e Eros, seguido, em 1993, com a publicação na Estampa de um livro ainda
hoje de consulta obrigatória, O Imaginário de Lisboa na Ficção Narrativa de
José Rodrigues Miguéis. Depois, para além de outros ensaios literários, a
autora foi responsável pela edição das Obras Completas (13 volumes) de José
Rodrigues Miguéis (1994 - 1996) e pelo tratamento do espólio de David
Mourão-Ferreira, entre 1997 e 2004, sobre o qual redigiu a sua tese de
doutoramento.
Sob o
envolvimento da violência doméstica - tema candente em Portugal -, A Mulher que
venceu D. Juan aborda a relação entre o Amor e a Luxúria, amor como devoção e
cuidado com os outros, e luxúria como utilização instrumental do corpo alheio
para prazer lúbrico e sensual próprio; amor como sentimento propiciador da libertação
do que de melhor se esconde na personalidade do outro, e luxúria como exaltação
de narcisismo e egotismo próprio, expressão de traumas de infância.
Como boa
romancista, Teresa Martins Marques envolveu as duas ideias de Amor e Luxúria
numa teia social escandalosa real - a violência doméstica -, fazendo-as
encarnar em personagens verosímeis e realistas. Neste último sentido, pode
dizer-se ser A Mulher que venceu D. Juan um romance de personagens presas numa
luta violenta e titânica entre o Bem e o Mal, aquele representado pelas forças
do Amor e este pelas pulsões da Luxúria.
Estudiosa de
Literatura, a autora circunda a intriga de um aparato literário e filosófico
harmónico com o itinerário diegético das personagens e o desenvolvimento da
acção, localizando esta, em parte na Faculdade de Letras de Lisboa (Luís,
Manaças, Manuela, posteriormente Sara), perfazendo, num efeito de real,
inúmeras referências a professoras desta instituição de ensino; em parte, no
Porto, na clínica de operações estéticas de Amaro Fróis, e, finalmente, na
residência na Costa da Caparica da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
(APAV), onde, sob nome falso e protecção da psicóloga Dra. Lúcia, se alojam as
mulheres violentadas pelos maridos ou companheiros. Por interceção do comissário
Paulo, da Polícia do Porto, para a residência da APV vem Sara, senhora fina da
Foz, após cúmulo de violentação física por parte do marido, Amaro, que recusa a
gravidez da mulher. Na sua nova vida, Sara recebe o nome falso de
"Esmeralda".
Uma das perfeições
do romance, expressão da mestria da autora, reside na ostentação de personagens
não puras ou virtuosas. Todas as personagens possuem "defeitos",
todas tiveram, voluntária ou involuntariamente, ao longo da vida, as "mãos
sujas", a maioria por via de traumas psicanalíticos sucedidos na infância,
cujas consequências psicológicas tortuosas se revelam na fase existencial de
maturidade. Neste sentido, é notável a caracterização individual e social das
personagens, sobretudo por se tratar de um primeiro romance.
Escrito no
Facebok sob o modelo literário do "folhetim", a forma estrutural de A
Mulher que venceu D. Juan ressente-se desta opção estética oitocentista, de
origem francesa, praticada de um modo excelente por Camilo. Tal como nas
novelas deste autor, assim o romance de Teresa Martins Marques é constituído
por pequenos capítulos (35 em cerca de 330 pp.), conferindo grande relevo tanto
ao suspense entre os capítulos, de modo a suscitar o entusiasmo do leitor,
quanto à constituição de uma trama que vincula a totalidade das personagens,
não existindo, assim, personagens artificiais, sem utilidade visível no todo da
estrutura que os envolve e prende.
A alusão a
"figuras verídicas" (desde Eduardo Lourenço a Amadeu Ferreira,
passando pelos professoras e professores da Faculdade de Letras de Lisboa,
desde o casal tavirense Rui Soares e Marinela, da Associação Internacional de
Paremiologia, ao casal lisboeta Ana e Simeon...) e as contínuas citações e
referências eruditas constituem uma opção estética da autora, que assim, sob o
efeito do real, como referimos, presta coesão ao desenvolvimento da acção e à
caracterização das personagens. As contínuas citações e referências eruditas,
porém, não ocultam, antes patenteiam, algum didactismo que, por vezes, fende o
todo estético do romance. Como se sabe e como Camilo o pratica de um modo
excelso, no romance, ao contrário do ensaio, a sugestão é superior à explicação
e o apontar, o simples mostrar, superior à explanação justificativa ou à
demonstração.
Tendo como pano de
fundo a violência doméstica, A Mulher que venceu D. Juan estrutura-se em torno
de três personagens desequilibradas, estatuídas, a nível literário, segundo a
tradição D. Juanesca: o cirurgião plástico Amaro Fróis, personalidade
ostentativa, economicamente abastada por via da fortuna da família da esposa,
Sara, manipulador de mulheres, homem violentíssimo, fruidor de prazer próprio
por via da humilhação do parceiro sexual; Manaças, personalidade incompleta,
nunca cumpridora do que promete, professor rejeitado da Faculdade de Letras de
Lisboa por incumprimento de prazos no doutoramento; e Joana, filha da Dra. Lúcia,
de personalidade desestruturada e comportamento promíscuo.
Evitando revelar
o enredo, que, como o filhetinismo obriga, vive de contínuas peripécias, de
sobressaltos inesperados e da revelação de imprevistos e imprevisíveis segredos
familiares, aos três "d. Juans" opõem-se, respectivamente, a
Sara/Esmeralda, Luís, alcoólico mas devoto estudioso, professor da faculdade,
esperando da vida uma oportunidade de purificação para retomar o caminho certo, oportunidade que lhe
é concedida quando conhece Sara/Esmeralda, e, finalmente a Dra. Lúcia,
psicóloga, mentora e alma da APAV, mãe de Joana, que, no final, um final
arrebatador e comovente, conhece definitivamente quem é o pai de Joana. Sobre
todas as personagens, Manuela, doutorada Faculdade de Letras de Lisboa,
privilegiada da Dr. Lúcia, esclarece, por via da análise da obra do filósofo
dinamarquês S. Kierkegaard, a teoria do
amor.
Ao leitor caberá
dar conteúdo ao título do romance, escolhendo Sara ou Dra. Lúcia para "a
mulher que venceu D. Juan". Nós optámos por Sara, mas também é possível
heroificar a acção voluntária da Dra. Lúcia como a mulher que vence todos os D.
Juan.
Romance
empolgante, de leitura sedutora, harmonizando o português coloquial com um
vocabulário erudito e académico, racionalmente labiríntico na urdidura da teia
relacional entre as personagens, realista no desenho e denunciador da violência
doméstica na finalidade, A Mulher que venceu D. Juan é, indubitavelmente, uma
estreia literária muito, fortemente promissora. Aguardamos com expectativa um
novo romance de Teresa Martins Marques.
Teresa Martins Marques, A Mulher que Venceu Don Juan.
Lisboa, Âncora Editora, 2013 (326 p.
)
MIGUEL REAL
(Texto publicado no Portal da Literatura)
--------------------------------
Miguel Real
Escritor
português, ensaísta e professor de filosofia Miguel Real, pseudónimo de Luís
Martins, nascido em 1953, conquistou em 2006 o Prémio Literário Fernando Namora
com o romance A Voz da Terra.
Miguel Real fez a
licenciatura em Filosofia na Universidade de Lisboa e, mais tarde, um mestrado
em Estudos Portugueses, na Universidade Aberta, com uma tese sobre Eduardo
Lourenço.
Estreou-se no
romance, em 1979, com O Outro e o Mesmo, com o qual viria a ganhar o Prémio
Revelação de Ficção da APE/IPLB. Em 1995, voltou a ser distinguido com um Prémio
Revelação APE/IPLB, desta vez na área de Ensaio Literário, graças à obra
Portugal - Ser e Representação. Outra distinção importante surgiu em 2000, o
Prémio LER/Círculo de Leitores, com o ensaio A Visão de Túndalo por Eça de
Queirós.
Em 2001, recebeu
uma bolsa do programa Criar Lusofonia, do Centro Nacional de Cultura, que lhe
permitiu percorrer o itinerário do Padre António Vieira pelo Brasil. A esse
propósito escreveu um diário, editado em 2004, intitulado Atlântico, a Viagem e
os Escravos.
A partir de 2003,
com a novela Memórias de Branca Dias, passou a escrever simultaneamente um
ensaio e um romance para evitar incluir teoria (filosófica, principalmente) na
ficção.
Em 2005, Miguel
Real lançou o romance histórico A Voz da Terra, cuja a ação decorre na época
do terramoto de 1755, que viria a ter grande reconhecimento por parte da crítica
e do público. A Voz da Terra proporcionou ao autor a conquista da edição de 2006
do Prémio Literário Fernando Namora, um dos mais prestigiantes galardões
literários a nível nacional.
Simultaneamente
ao romance A Voz da Terra foi publicado o ensaio O Marquês de Pombal e a
Cultura Portuguesa, situado na mesma época.
Já em finais de
2006 foi lançado o romance O Último Negreiro, sobre o traficante de escravos
Francisco de Félix de Sousa, que viveu em São Salvador da Baía e Ajudá, no
Benim.
Paralelamente ao
romance e ao ensaio, Miguel Real dedicou-se, regularmente, à escrita de
manuais escolares e de adaptações de teatro, estas em colaboração com Filomena
Oliveira.
Começou a
colaborar regularmente no jornal literário Jornal de Letras a partir de 2000.
ver definição de
romance...
Como referenciar
este artigo:
Miguel Real. In
Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult.
2014-06-06].
Disponível na
www: <URL: http://www.infopedia.pt/$miguel-real>.
Sem comentários:
Enviar um comentário