Tinham vindo de metro, saíram no Saldanha, iam descendo a
Avenida Casal Ribeiro, em direcção à Remax. A vendedora tomou-os por marido e
mulher e eles não a desmentiram. Seguiram a pé até à Rua Joaquim Bonifácio e
pararam junto de um prédio vermelho, quase centenário, com varandins de pedra
lioz e gradeamento verde-escuro. Na fachada, à direita da porta, um azulejo com a data de construção − 1924. A vendedora abriu a
pesada porta de ferro verde-escura. A entrada era espaçosa, com plantas
ornamentais. Mas o que de imediato lhes chamou a atenção foi a inscrição num
azulejo: «Pintura Manual. E. Canavarro e João F. Blane. Obra de Henrique Cardoso».
A vendedora não perdeu a oportunidade de dizer que a escada do prédio fora
recentemente decorada e que os
proprietários não tinham poupado esforços para preservar aquele prédio
tradicional.
– De facto – disse Sara − que olhava para os murais de azulejos
representando o Palácio das Necessidades, a Sé e a Basílica da Estrela. Subiam
devagar a escada encerada, de corrimão azul e branco a condizer com as portas
antigas da mesma cor, e ficaram admirados com a exposição de quadros nas
paredes, com motivos lisboetas, alternando com documentos encaixilhados
relativos ao prédio: a biografia de Joaquim Bonifácio, que deu nome à rua,
alvarás, licenças de construção, de habitação, escrituras do primitivo
proprietário, intimações camarárias para manutenção, numa palavra, toda a
história do edifício. No primeiro andar, o painel mostrava o Terreiro do Paço,
no segundo, o Teatro Dona Maria, no terceiro, o Palácio de São Bento, no
quarto, o Mosteiro dos Jerónimos, no quinto, a Praça de Touros do Campo
Pequeno, a Ponte 25 de Abril, e, por último, o Aqueduto das Águas Livres. Era
uma visita completa aos lugares canónicos da cidade.
Já no quinto andar, Sara reparou numa moldura que contava a
história da quase morte do prédio – a tragédia ali ocorrida no dia 18 de
Dezembro de 1987. O quadro relatava que de cima para baixo as varandas tinham
começado a desabar e com elas arrastaram as cozinhas e as casas de jantar das
traseiras. Tinha sido um verdadeiro pandemónio, relatado com todos os
pormenores no Correio da Manhã.
– Quem vê o prédio, agora, não pode imaginar o passado.
– Pois não – remata Luís − e a vendedora concorda.
A história deste
prédio antigo duplicava a sua vida. Da derrocada surgira uma nova estética. Dos escombros do
passado reconstruía-se uma nova Sara.
Templo Adventista |
Quando a vendedora lhes mostrou o apartamento do terceiro
andar esquerdo já ela tinha decidido que gostaria de morar ali, mesmo que fosse
apenas por pouco tempo, não sabendo ainda que rumo viria a ter a sua vida
futura. O corredor comprido acabava na cozinha e depois numa varanda que dava
para uma escada de ferro em caracol. Os quartos sucediam-se, como se a casa
fosse um comboio e a ideia de viagem, de percurso com saída de emergência,
fê-la identificar-se com o lugar. Em frente, um Templo Adventista. Na varanda,
dois pombos debicavam migalhas. O sol de Julho entrava a jorros pelas janelas.
– O que acha, Luís?
– Deve estar-se bem aqui a ler ao fim da tarde – foi a
resposta, com um sorriso.In : A "Mulher que Venceu Don Juan" de Teresa Martins Marques
Nota do editor: fotografia de Vítor Matos
Já li o livro ,adorei.
ResponderEliminarG.
Gostaria de falar do 4 esq e dto, sou Proprietário e estou a comercializar. Poesia em habitação!
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