No Monte da Caparica o cheiro bom
da cozinha, onde a Maria preparava o jantar. Como se chamaria ela? Ali todas
usavam um nome falso, só a Drª Lúcia sabia o verdadeiro. A vivenda da APAV era
confortável, as outras mulheres sentiam-se
como peixe na água, não fora a poluição
da memória.
− Maria, fizeste pataniscas ?
− E tu que não acertasses logo, com esse faro que Deus te deu!
Sete meses passaram desde que entrou naquela casa. Foi a Maria que lhe
limpou os restos de sangue, foi a Antónia que lhe lavou a roupa, uma senhora
tão linda e tão fina o que é que lhe fizeram, santo Deus!? Foi a Marta que lhe disse, não está sozinha, agora
nós somos a sua família.
Os monstros aqui não entram. − Dizia a Odete levantando uma vassoura no ar. Foi com essa vassoura que me ensinou a varrer
e a tirar as teias de aranha. Semanas
depois, já queria dar-me o diploma de
mestra de limpezas.
− Ai se a sonsa da tua criada te visse agora! Nunca mais fazia troça da
patroa dondoca, que não sabia estrelar um ovo nem mexer uma palha. Agora
agarravas na vassoura, partias-lhe os cornos a ela e ao mânfio do teu marido.
Ganda-filho-da-puta!
− Cala-te, mulher, − atalhou a
Maria, − não ponhas mais lume na fogueira.
Sara tapava os ouvidos com as duas
mãos, fugia para o quarto, metia-se na cama e lembrava-se das sovas, do resto. De
tudo. De patroa ela só tinha o nome. Era ele quem pagava o ordenado à criada, ficava bem claro quem era ali o patrão.
Agora não queria pensar no lixo
do passado. Queria sentar-se à mesa diante daquela comida simples, esquecer-se
do último jantar no Olivier da Rua do
Alecrim e, sobretudo, esquecer o que se seguiu depois. Ter esperança de algum
dia esquecer.
− Esmeralda, conta lá como é que é esse teu patrão?
− Como os outros. Tu não dizes que são todos
iguais?
−
Lá isso são, mas há uns ainda mais marafados do corname…
− Mas que é isto? Respeitinho, que
é bonito e eu gosto! − atirou outra a fuzilar a linguaruda.
− Mulher, inda te vais embeiçar por ele… Era agora a Maria, profeta finória
como só ela sabia ser.
− Desculpa lá! Tu és a única madama no mundo que eu trato por tu. E
carregava no “tu”. Desculpa, mas tou quem nem posso, com essa do corname! E
ria, ria muito. Porra para eles!
− E ela a dar-lhe.
− Se não me rir inda é pior.
Começavam todas a rir, muito alto, um riso estridente, molhado de
lágrimas que limpavam ao avental. Riam a
fingir de esquecidas dos maus tratos, esquecendo ou fingindo que não lembram que
um dia pode aparecer um bandido à porta, como o da Filomena, de faca na mão a
gritar, ganda- cabra, tu fugiste-me ? Mas vais voltar comigo já pró redil, que
eu é que te amanso, minha cordeira lanzuda! E puxava-lhe a farta cabeleira negra,
enquanto gritava e agitava a faca como um florete:
− Já à minha frente, sua
ganda-puta!
E a Filomena, que parecia tão valente, começou a esbracejar, com a voz
repassada de medo, encandeada, como o passarinho e a cobra .
− Isto é o vinho, logo lhe passa, deixem, deixem…
E deixou uma chinela para trás, com o puxão que lhe deu, as outras a gritar, Nossa
Senhora de Fátima nos acuda, eu
escondida ao fundo do corredor a ouvir
tudo, pregada ao chão, a tremer. A Antónia agarrada a mim, aos empurrões, a
proteger-me, toca a andar já daqui para
fora.
A Filomena. Passaram alguns meses
sem sabermos dela. Um dia a Drª Lúcia trouxe
a notícia. Tinha aparecido morta com um golpe fundo na garganta e o bandido foi entregar-se todo lampeiro e cumpridor das leis – “Já cá
estou, ó senhor guarda, não precisa de me ir buscar a casa… Estava com os
copos não sei o que fiz.”
Depois de vários interrogatórios
já sabia o que tinha feito:
− A cabra estava a pedi-las… Espero que aquele monte de esterco não me deixe ficar nódoas nos mosaicos da
cozinha.
Lá foi a pagá-las a Custóias. Ela em Agramonte.
Durante dias ninguém riu, andávamos de luto pela Filomena. De luto por
nós todas. Pensava para dentro, um dia poderei ser eu. Por fim, sobra o silêncio.
Fonte: "A Mulher Que Venceu Don Juan"
Dida Garcia :
ResponderEliminarAbaixo a violência doméstica para sempre!Abaixo os monstros!A denúncia é fundamental.
Ana Diogo:
ResponderEliminar"Os monstros aqui não entram" - só a solidariedade de quem conhece o sabor amargo da violência doméstica.
quem pratica violência doméstica deviam fazer-lhe o mesmo e mias nada,havar se eram valentes.
ResponderEliminarA Polícia Judiciária (PJ) anunciou esta terça-feira a detenção, em Vila Nova de Foz Côa, de um homem de 23 anos, pela alegada prática de crime de abuso sexual a uma criança de 12 anos.
ResponderEliminarSegundo o Departamento de Investigação Criminal da PJ da Guarda, o detido é suspeito da prática de um crime de abuso sexual de criança, «ocorrido por várias vezes, no período compreendido entre fevereiro e maio de 2013», no concelho de Vila Nova de Foz Côa.
«A vítima terá sido seduzida e levada a encetar um relacionamento amoroso com o ora detido, anterior companheiro de uma irmã mais velha daquela, mantendo com ele vários contactos sexuais», refere a fonte em comunicado enviado à agência Lusa.
O detido, funcionário num posto de abastecimento de combustíveis, foi presente às autoridades judiciárias para primeiro interrogatório judicial e aplicação de eventuais medidas de coação, segundo a PJ.