22/09/2014

BRASIL (1) - UM FIM DE TARDE PARA MIM INESQUECÍVEL, por Teresa Martins Marques

BRASIL (1)
 UM FIM DE TARDE PARA MIM INESQUECÍVEL
(12 de Setembro de 2014)
Por Teresa Martins Marques
I
DA EXCELÊNCIA DAS PESSOAS E DA INSTITUIÇÃO

  Durante o nosso périplo brasileiro, na curta passagem por São Paulo, fui convidada pelo Prof. Dr. Humberto Lima de Aragão Filho para fazer uma palestra sobre violência doméstica, a partir do meu romance A Mulher que Venceu Don Juan. (Âncora Editora, 2013) O público alvo muito simpático e caloroso era constituído por alunos  de Direito, Pedagogia, Comunicação Social e Gestão Comercial, das Faculdades Integradas Rio Branco, uma organização sem fins lucrativos, criada por associados do Rotary Club de São Paulo, em 1946. Uma instituição de referência: as salas de aula e o auditório excelentemente equipados; a vasta biblioteca de consulta livre, ao estilo das melhores da Europa e dos EUA, cuidada  pela sua coordenadora Drª Alice K. Matsumoto, como santuário dos livros. Depois do passeio pela aprazível alameda interior, com um belo espelho de água e  vegetação luxuriante, aguardava-nos um belo cocktail de recepção. É bom ser professor ou aluno neste espaço paradisíaco. É igualmente muito bom ser visitante!

  O convite que nos fora feito obtivera o apoio das seguintes personalidades, a quem agradeço penhorada: Prof. Dr. Edman Altheman, Director Geral das Faculdades Integradas Rio Branco; Prof. Dr. Alexandre Uehara, Director Académico; Prof. Dr. Paulo Sérgio Feuz, Coordenador do Curso de Direito; Prof.ª Fabiana Malandrino, Coordenadora do Curso de Pedagogia;  Prof.as Ivana  Ribeiro e Virgínia Maria Antunes de Jesus, que deram sustentação ao propósito de realizar este  evento.
   O Prof. Dr. Humberto Lima de Aragão Filho iniciou a vida académica na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e viria a frequentar mais tarde o Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas, onde se tornou bacharel em Teologia. Seguidamente, cursou Filosofia na Universidade de Mogi das Cruzes e graduou-se em Letras pela Universidade de São Paulo, onde obteve os graus de mestre e doutor com a tese intitulada “A intencionalidade do tríptico de Lisboa”, na obra de José Rodrigues Miguéis. Actualmente é professor dos cursos de Direito, Relações Internacionais e Comunicação Social nas Faculdades Integradas Rio Branco, em São Paulo e professor convidado da Escola Paulista da Magistratura (EPM).
A Profª Virginia Maria Antunes de Jesus é mestre e doutora em Letras (Literatura Portuguesa) pela Universidade de São Paulo, com uma tese sobre  «Miguel Rovisco - O Teatro da História». Pós-graduada em Teoria Literária: Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, possui graduação em Pedagogia  e em Letras Português, Francês e Italiano  pela Universidade de São Paulo. É professora na graduação e nos cursos de MBA das Faculdades Integradas Rio Branco e na pós-graduação em Bioética e Pastoral da Saúde do Centro Universitário São Camilo. Integra o NCE/ECA-USP como tutora e orientadora de trabalhos de conclusão de curso do projeto Mídias na Educação do MEC/SP, em projectos de educação à distância e  na área de Metodologia da Pesquisa Científica e Letras, com ênfase em Línguas e Literatura Brasileira, Portuguesa, Francesa e Italiana. É consultora associada da WellCom - comunicação sem fronteiras, empresa de consultoria empresarial multilíngue e desenvolvimento cultural.
A Profª Ivana Maria Ribeiro possui graduação em Serviço Social, Licenciatura em Filosofia e Mestrado em Educação  pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora das Faculdades Integradas Rio Branco nos cursos de Pedagogia, Administração de Empresas, Análise de Sistemas e Economia. Na modalidade de EAD actua nos cursos de Administração, Comunicação Social, Direito e Relações Internacionais. Membro do Conselho Editorial da Revista Electrónica “Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua Portuguesa”, da Faculdade de Educação da USP. Directora académica do Yázigi Internexus em Itu/SP (2005-2009). Directora do Movimento Paulo Freire/SP (1998-2000). Membro da Cátedra Paulo Freire da PUC/SP (1998-2006). Educadora Social do Núcleo do Trabalhos Comunitários da PUC/SP (1996-1999). Educadora Social do Instituto Paulo Freire Brasil (1999-2000). Apaixonada por música, fotografia e poesia colecciona os seus trabalhos no “Baú dos Pensares”.

II

DA AMIZADE


Falar do Prof. Humberto de Aragão Filho é falar de um comunicador nato, de um verdadeiro gentleman. Construímos ao longo dos anos uma amizade sem mácula, baseada na solidariedade literária à volta de José Rodrigues Miguéis. Não é fácil descrever o  sorriso claro, a vivacidade do olhar que nos esperava de braços abertos em Guarulhos!  Lembro a primeira vez que Humberto e eu nos encontrámos pessoalmente. Foi em Outubro de 2001, no Padrão dos Descobrimentos, nas Comemorações do nascimento do autor de «Saudades para a Dona Genciana». Estávamos sentados, por acaso, um ao lado do outro, quando o Humberto descobriu que eu era a autora d’ «O Imaginário de Lisboa na Ficção Narrativa de José Rodrigues Miguéis», cuja leitura o meu amigo Onésimo Teotónio Almeida tinha aconselhado ao Humberto, quando este preparava a tese de doutoramento sobre o escritor. A empatia mútua aconteceu à primeira vista. Risonho, caloroso, simpático, logo no Natal de 2001, o presente do Humberto bateu à minha porta e nunca mais deixou de bater, até hoje.
Em Novembro de 2003 fui palestrar à USP, convidada pelos Profs titulares Francisco Maciel Silveira e sua mulher Flávia Corradini, e lá estava o sorriso do Humberto na primeira fila. No final da sessão convidou-me para jantar em sua casa, onde tive oportunidade de conhecer a simpática Vilma e os seus fantásticos filhos, todos eles hoje bem lançados internacionalmente, com carreiras fulgurantes.
Em 2008 voltei à USP, a propósito das comemorações dos duzentos anos da ida da Corte para o Brasil, e lá estava de novo o sorriso do Humberto a encher a sala. O mesmo sorriso, sem tirar nem pôr, que nos esperava agora à chegada a São Paulo. Foi bom ter ao meu lado, na mesa da sessão, os meus amigos Profs Francisco Maciel Silveira e Flávia Corradin, cuja presença muito agradeço. Com eles tínhamos estado, na semana anterior, no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, no simpósio organizado pela Prof. Dr.ª Gilda Santos, sobre o qual falarei noutro lugar. Ambos fazem parte do «Site Pala-vra», competentemente dirigido pelos Profs  Humberto de Aragão e Ivana Ribeiro, no qual também tenho o gosto de participar. Foi muito bom ter na mesa o meu companheiro Ernesto Rodrigues, também ele especialista da obra de Miguéis, tendo levado a cabo a edição crítica do romance O Pão não Cai do Céu (in Mágico Folhetim - Literatura e Jornalismo em Portugal, Lx.,1998).
Last but not least, não tenho palavras bastantes para agradecer a todos os alunos maravilhosos, simpáticos, afectuosos que me estimularam com a sua atenção e também com pertinentes perguntas no final da sessão.
  No próximo mês de Novembro, lá encontraremos novamente o nosso amigo Humberto em Paris, na Sorbonne Nouvelle, participando no Colóquio «Décalages» que o Prof. Dr. Georges da Costa organiza com mão sábia, sobre José Rodrigues Miguéis. Aí será apresentado o volume crítico prefaciado e organizado por Humberto de Aragão – «Um exílio chamado saudade: antologia sobre José Rodrigues Miguéis» (São Paulo, Editora Intermeios, 2014) reunindo ensaios de Massaud Moisés, Adolfo Casais Monteiro, João Alves das Neves, Cassiano Nunes, Jorge de Sena, Georges da Costa, Onésimo Teotónio Almeida e Teresa Martins Marques. Pela diversidade de textos nele incluídos, e pelo cuidado da sua organização, trata-se de um volume de referência para todos quantos desejam conhecer melhor a obra do autor de A Escola do Paraíso. 

III

NOTAS  BIOBIBLIOGRÁFICAS SOBRE JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS
             
Escritor português (Lisboa, 1901 - Nova Iorque, 1980). Filho de Maria Adelaide Rodrigues, natural de Góis, Beira Alta e de Manuel Maria Miguéis Pombo, natural de Santiago de Borbén, província de Pontevedra. Licenciado em Direito (Lisboa, 1924) e em Ciências Pedagógicas (Bruxelas, 1933). Foi temporariamente advogado, delegado do Ministério Público e professor do ensino secundário. Atento à imprensa periódica, colaborador d’A República e da Seara Nova, dirige o semanário O Globo (1933) com Bento de Jesus Caraça e envolve-se em movimentos de intervenção cívica democrática. Vendo o seu nome censurado nos jornais, vai em 1935 para os EUA, onde acabará por se fixar e viver a maior parte da sua vida. A partir de 1942, e durante cerca de dez anos, exerce funções de Assistant Editor das Seleções do Reader’s Digest. Colabora regularmente na imprensa de Lisboa, dedicando-se também à tradução de grandes autores como Stendhal, Carson McCullers, Erskine Caldwell, F. Scott Fitzgerald.
A obra de José Rodrigues Miguéis configura-se predominantemente ao nível da ficção narrativa e da crónica-ensaio. Coetânea do presencismo e do neo-realismo, é relativamente independente do cânone rígido daqueles movimentos, situando-se numa zona de intersecção entre ambos, gerando sínteses originais. Leitor atento de Camilo e de Eça, revela-se mestre da ironia e do humor, problematizando as contradições sociais, analisando o sujeito individualmente considerado, não raro em situação limite de amargura e de perda, mas também em busca de identidade, oscilando entre o regresso como forma de esperança e a fuga como expressão de desistência, a que não é alheia a herança de Raul Brandão.
São em número de seis os romances de JRM:Uma Aventura Inquietante (1958), que sob um enredo policial denuncia as arbitrariedades da Justiça, revelando em simultâneo a «gastronostalgia» do expatriado na Bélgica, que só dá valor à Pátria quando se encontra longe dela;
A Escola do Paraíso (1960), revelando algumas características do romance de formação, é centrada na infância do herói, decorrida entre o fim da Monarquia e os alvores da República, concedendo particular destaque à figura da mãe e à da cidade-berço;
Nikalai! Nikalai! (1971), história pícara que retrata uma comunidade de russos brancos sediada em Bruxelas, após a revolução soviética, a qual pretende repor no trono o czar Nicolau II;
O Milagre segundo Salomé (1975), grande fresco da sociedade lisboeta, da ambiência depressiva que correspondeu à degradação dos sonhos republicanos, que culminaria no golpe de 28 de Maio de 1926;
O Pão Não Cai do Céu (1981), a sua obra mais conforme ao cânone neo-realista, onde se destaca a figura do «cigano», herói épico, símbolo unificador da luta pela terra e pela liberdade na planície alentejana;
 Idealista no Mundo Real (1986) que problematiza as contradições de um jovem magistrado colaborador da Seara Nova em busca da sua identidade ideológica e social.
Serão, contudo, a novela e o conto que tornarão JRM referência obrigatória entre os melhores no género:
Páscoa Feliz (1932) – Prémio da Casa da Imprensa – revela-se um dos mais penetrantes retratos da desagregação mental do sujeito até ao limite da loucura e do crime, temática que será retomada com menor dramatismo e expressividade na peça de teatro O Passageiro do Expresso (1960).
A problemática da dissolução do sujeito, associada a elementos fantásticos, constitui também a linha de força da narrativa «A Mancha não se Apaga» (Onde a Noite se Acaba, 1946). De Léah e Outras Histórias (1958) –  Prémio Camilo Castelo Branco – destacam-se as narrativas «Léah» e «Saudades para a Dona Genciana» . A primeira, oscilando entre a carta e o diário, constitui-se como solilóquio confitente de um medroso e tímido narrador, evocando a mulher amada e perdida; a segunda, que considero a obra-prima da ficção migueisiana, construída sobre uma dupla sinédoque: Dona Genciana representando o espaço humano da Avenida (Almirante Reis), e esta, por sua vez, representando a cidade de Lisboa, vista disforicamente no passado e euforicamente no presente da rememoração, depreciadas ambas pela vivência e também ambas glorificadas pela memória, testemunhas de um espaço-tempo relíquia, que a saudade faz re(vi)ver.
 A condição do imigrante constitui-se como eixo temático dominante nos contos de Gente da Terceira Classe (1962) a que não é alheia a  experiência autobiográfica, força motriz da obra migueisiana no seu conjunto, que se assume explicitamente em Um Homem Sorri à Morte – Com Meia Cara (1959) onde o sofrimento perante a ameaça do fim se transmuta pela coragem e pela vontade, em vitória da vida e da esperança. Pass(ç)os Confusos (1982) reedita o livro de contos Comércio com o Inimigo (1973) bem como um conjunto de narrativas anteriormente publicadas na imprensa.
A produção genericamente considerada como crónica foi reunida em três vols.: É Proibido Apontar – Reflexões de um Burguês I (1964); O Espelho Poliédrico (1973); As Harmonias do Canelão – Reflexões de um Burguês II (1974).  Aforismos & Desaforismos de Aparício (1996, ed. OnésimoT. Almeida) reúne textos publicados no Diário Popular sob o título de Tablóides, subordinados a temáticas diversas na área político-cultural, de que se destacam os conceitos de liberdade e de arte, bem como o papel dos intelectuais nas sociedades modernas.


Teresa Martins Marques

Este texto foi também publicado em: http://www.rtp.pt/icmblogs/rtp/comunidades/?k=BRASIL-1-UM-FIM-DE-TARDE-PARA-MIM-INESQUECIVEL-por-Teresa-Martins-Marques.rtp&post=48374

1 comentário:

  1. Eu tive enorme privilégio de estar presente a esta palestra. Formidável como a Dra. Teresa tem um profundo conhecimento de Brasil, aliás, não apenas de Brasil, mas de algumas de nossas normas jurídicas a ponto de fazer comparações incríveis em vossa palestra.
    Foi realmente gratificante.
    Agradeço a todos os envolvidos, Dra. Teresa Martins, ao meu mestre Prof Humberto de Aragão, minha mestra Profa. Virgínia, aos Diretores e aos Srs. convidados por terem-me proporcionado noite tão agradável na presença de todos!
    Parabéns Dra. Teresa Martins!

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