15/04/2014

Vamberto Freitas e "A Mulher que venceu Don Juan"

A violência é um polvo tentacular. Não raro bem embrulhada em celofane com o falso rótulo de amor.
Teresa Martins Marques, A Mulher que Venceu Don Juan
Este é um romance especial por várias razões, sobretudo pela sua qualidade formal e temática abrangente e actualizadíssima, mais do que pertinente nos dias que todos nós vivemos numa sociedade que, por mais moderna e liberal se torne, vive ainda presa a velhos usos e abusos aos direitos humanos, uns reconhecidos pelos tribunais outros silenciados na longa noite da nossa história social. Não haverá nada de exclusivamente “português” nestas páginas, no que à violência física e emocional entre homens e mulheres diz respeito, e ainda muito menos em relações que, como diz a epígrafe que escolhi para este texto, se mantêm e se desenrolam durante dias e anos por entre a mais descarada chantagem de todo tipo, em que um casamento ou outra relação menos formalizada poderá se tornar numa outra espécie de escravatura, sem que as nossas instituições possam ou queiram actuar como acção preventiva de tragédias por demais anunciadas. É só ler os nossos jornais ou consultar os média em geral para ver quanto sofrimento poderá acontecer entre quatro paredes – ou mesmo na violência e abuso psicológico feito por palavras gritadas e utilizadas mortiferamente como punhais. Estarei aqui muito fora dos meus temas habituais? Creio que não. Pois este é um romance que também se ultrapassa si próprio, ou no que poderá ter sido a intenção inicial da sua autora. Para além do que aqui acaba de ser dito, entramos em páginas belas sobre o amor de igual para igual entre dois seres humanos, ou entre um grupo de amigos, como entramos nos corredores da academia lusa na nossa capital, assim como no pensamento filosófico e na arte literária canónica do Ocidente. Não é pouco para uma primeira ficção de uma autora desde há muito reconhecida como uma grande ensaísta literária, especializada nas obras de José Rodrigues Miguéis e de David Mourão-Ferreira, tendo habitualmente como pano de fundo da sua escrita toda a história literária do nosso país, e em outras línguas, tal como acontece de novo no presente livro. Venho aqui um pouco atrasado por algumas semanas após a sua publicação recente, quando o JL lisboeta já lhe dedicou mais de três páginas. Um sinal de força, sem dúvida, um reconhecimento que não acontece com frequência nem naquela nem em outras publicações do género.
Antes de mais, vamos às circunstâncias do aparecimento de A Mulher que Venceu Don Juan, de Teresa Martins Marques, actualmente investigadora da Faculdade de Letras em Lisboa. Alguém já disse, mas relembro aqui: é o primeiro romance português a ser publicado integral e originalmente no Facebook. Teresa Martins Marques aproveitou os muitos leitores com acesso imediato e gratuito às suas páginas virtuais como que num ensaio primeiro desta sua obra. Eu próprio testemunhei como era esperado cada capítulo, e reconhecia de imediato nestas páginas alguns nomes verdadeiros dos amigos e amigas que, ou conheciam pessoalmente a autora ou então, estou em crer, a ela se chegaram por estes e outros escritos seus. É raro, e desde há décadas caído em desgraça, o chamado “romance de ideias”, foi o tempo em que a arte literária se virava para si própria, com total desprezo por uma frase que dissesse alguma coisa vagamente relevante para o leitor, e muito menos ainda para a cultura do seu lugar e do seu tempo. Como diria João Barrento num dos seus livros de ensaios mais recentes, O Mundo Está Cheio de Deuses, é preciso “repolitizar” a arte, suponho que querendo dizer -- que contenha em si minimamente, no que à escrita concerne, algo mais do que um jogo inconsequente e nem sempre estético de palavras e frases desconexas, que se dirija ao meio social e cultural em que está inserida espelhando as suas misérias, injustiças e opressões numa demonstração de ética e estética, tendo o outro lado do coração humano como contraponto. É essa a leitura que fiz e faço deste romance, que contraria muita da nossa ficção inconsequente e quase ilegível, sem deixar de receber espaço privilegiado em muitas das nossas páginas literárias ditas nacionais.
A Mulher que Venceu Don Juan tem como trama no seu centro um casamento de longos anos entre um famoso cirurgião plástico no Porto, aqui de nome Amaro Fróis, e uma esposa que ele queria dondoca e peça ornamental, mas de origens nortenha e herdeira de uma grande fortuna, Sara, inteligente muito para além da vontade do marido, sofredora de violências de vária natureza às mãos do seu Don Juan, metido compulsivamente com haréns inteiros de mulheres, traficante de drogas e prostitutas, identidades sexuais escondidas no seu armário de luxo e de decadência absoluta, o homofóbico clássico e sem coragem ou dignidade para assumir a natureza do seu ser autêntico. O que é dito de homens, é igualmente dito de mulheres. O romance nunca quebra por uma só frase o seu impulso narrativo de denúncia e revolta, de coragem e generosidade por parte desta e de outras mulheres sofredoras que vamos “conhecendo” ao longo destas páginas de linguagens simultaneamente escorreitas e eruditas, por vezes entrando em zonas que ficam algures entre a ficção pura e o ensaísmo (Kierkegaard ocupa um outro centro desta fulgurante prosa), sempre irresistível para uma autora como Teresa Martins Marques. Não é a primeira vez que um romance oscila entre um género e outro, mas aqui esses movimentos entre a invenção pura e reflexão filosófico-literária é de uma fluência e significados pouco comuns entre nós. Ler este romance é como que fazer um seminário em literatura do nosso tempo vista pela psiquiatria mais avançada, o quotidiano das violências domésticas e extra-domésticas reinventado e ao mesmo tempo objecto de análise ponderada e fundamentada em obras dos mais diversos autores, especialmente europeus. O donjuanismo aqui, seja masculino seja feminino, nada tem de romântico, é o seu oposto – o imperativo da dominação absoluta do “outro”, que se torna mera peça utilitária, a doença da conquista pela conquista, a perversão da inocência, o sexo sem o mínimo prazer ou sublimação para além do ego necessitado e inseguro. Bem-vindos às relações oficializadas e legitimadas pela sociedade, mas que não deixam de ser outra espécie de “alterne”, por onda ronda sempre a morte de mulheres que não têm a coragem de enfrentar os seus opressores e abusadores psicopatas. É disto que é feito A Mulher que Venceu Don Juan, e, como já disse, de algo mais.
A geografia desta narrativa vai do norte ao sul do país, passando ainda pelo Brasil. Espreitamos também os corredores da Faculdade de Letras, onde se passeiam os mais fraudulentos “géneros” universitários, quer na pessoa de um ou outro aluno quer na de alguns “professores” que nunca deveriam pisar tal território do saber, estes felizmente escondidos entre a grande maioria de mentores e estudantes que o merecem, e os merecemos a eles – é nas Humanidades que reside a nossa cidadania, é aí que se grava e se testemunha a nossa memória colectiva, seja ela de dor e raiva ou de vida decente. De resto, temos aqui um vasto chamamento à literatura clássica, uma vez mais, do donjuanismo e não só, mas agora sob o ponto de vista hipercrítico de uma mulher muitíssimo bem formada, e de todo sensível ao melhor e ao pior em qualquer um de nós.
“Viveste – diz a narradora a dada altura, num momento de auto-análise – na gaiola, mas não foste feliz. Viveste no pântano e não foste livre. Foi o amor que fez a escolha sem ti? Qual amor? O que tu chamaste amor. O teu pai chamou status para a sua rica filha. Ou para a sua filha rica? Faz diferença a colocação do adjectivo. O que a tua mãe chamou ‘a ordem natural das coisas’, o casamento com um cirurgião plástico, lindo de morrer, dizia ela, que queria eu mais? Que importava que fosse vinte anos mais velho? Lindo de morrer. Sim, de morrer a conta-gotas”.
A Mulher que Venceu Don Juan torna-se arte como o mais determinado ajuste de contas, não necessariamente pessoal, mas sim com destruições de vidas mais vastas, quase generalizadas. Não interessa se com base numa vida vivida, conhecida entre outros, ou contada à mesa de um Café, ou num quarto vazio de tudo e cheio de nada. É o retrato de toda uma sociedade que sobressai aqui, é a espreita prolongada da pior das misérias por entre o luxo adquirido quase sempre através do crime ou da manipulação dos mais fracos e ingénuos, é a denúncia do que raramente chega a julgamento público, ou merece sequer a censura de quem faz que não vê este outro inferno em todos os estratos da sociedade. Teresa Martins Marques retira de toda esta fealdade – como alguém já escreveu sobre um artista plástico – a mais pura beleza.
Teresa Martins Marques, A Mulher que Venceu Don Juan, Lisboa, Âncora Editora, 2013.


Vamberto Henriques Ávila Freitas 
Nasceu no dia 27 de Fevereiro de 1951 nos Açores. Frequentou o Liceu Nacional de Angra do Heroísmo e a Chino High School, Chino, Ca. Licenciou-se em 1974 em Estudos Latino-Americanos e fez estudos de Pós-Graduação em Pedagogia e Literatura. É presentemente leitor de Língua Inglesa e coordena o Suplemento Açoriano de Cultura do Correio dos Açores. É também representante dos Açores no Conselho Nacional de Opinião da RDP.
 Trabalhos publicados em volume: Jornal da Emigração – a L(USA)lândia Reinventada –, Angra do Heroísmo, Gabinete de Emigração e Apoio às Comunidades Açorianas, 1990. Pátria ao Longe. Jornal da Emigração II, Ponta Delgada, Eurosigno, 1992. O Imaginário dos Escritores Açorianos, Lisboa, Eds. Salamandra, 1992. Para Cada Amanhã. Jornal de Emigrante, Lisboa. Eds. Salamandra, 1993. América. Entre a Realidade e a Ficção, Lisboa, Eds. Salamandra, 1994. Entre a Palavra e o Chão. Geografias do Afecto e da Memória, Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 1995 .
 Trabalhos publicados em revistas, jornais e suplementos culturais: "O Homem Suspenso, ou um outro Livro do Desassossego", Vértice, nº76, Janeiro/Fevereiro 1997. "A Critic's Notebook, de Irving Howe: Sociedade e Critica", Atlântida, XII, 1996. "Lá muito Longe para além do Mar: A nossa imigração na Califórnia", Atlântida, XL, 1995. "The Western Canon, de Harold Bloom: Sociedade, Literatura e Crítica", Atlântida, XXXIX, 1994. "Culture and Imperialism, de Edward Said: da Ficção imperialista e da Viagem para Dentro", Vértice, nº58, 1994. "História e Política em A Ilha de Aldous Huxley", Arquipélago (Ciências Humanas),Vol. XIII , 1994. "Crónicas da Diáspora: Um Espaço sem Fronteiras", Arquipélago (Ciências Sociais), Vol. VII, 1994. "Ida e Volta: À Procura de Babbit, de Ilse Losa. A Outra América e o Outro Babbit", Letras & Letras, nº 110, 1994. "José Rodrigues Miguéis e o seu Contrabando Literário", Vértice, nº 54, 1993. "Pós-Modernismo em Questão: The Critics Bear it Away: a Crítica da Crítica, Letras & Letras, nº90, 1993. "William Faulkner e João de Melo: De Yoknapatawpha ao Rozário da Achadinha" Atlântida, Vol. XXXVI, 1991. "Alguns Aspectos Faulknerianos na Obra de João de Melo", Letras & Letras, nº39, 1991. Tem publicado dezenas de artigos de crítica literária e de opinião no Diário de Notícias, em Lisboa; Açoriano Oriental e Correio dos Açores, em Ponta Delgada.
 Em colaboração com Adelaide Batista, preparou o estudo «Women's literary contribution in the Portuguese region of the Azores», publicado em Engendering Identities, Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa, 1996. Direcção de Susan Pérez Castillo.

MARIA JOÃO CANTINHO e "A Mulher que Venceu Don Juan"

“Que me perdoem as raparigas que acham que o feminismo já não serve para nada. Aquelas que, cultas, sofisticadas e independentes, consideram que é um sinal de inferioridade lutar pelas mulheres indefesas e vítimas de uma sociedade ainda machista e cruel para com as mulheres, não apenas no nosso país, como em todo o mundo. Aquelas que se recusam a comemorar o Dia da Mulher por considerar um sinal de inferioridade do género (talvez não saibam qual o acontecimento trágico que deu origem a essa comemoração). Nós, as auto-confiantes, as independentes, as que tivemos a sorte de ter um futuro, pelas mais variadas razões (boas famílias, acesso a estudos superiores e a bons empregos, etc.) devemos ser conscientes das que não gozaram das facilidades que tivemos e que são vítimas diárias (basta ver, só no nosso país, a estatística brutal de mulheres vítimas de violência doméstica e assassinadas pelos companheiros e ex-companheiros). É por isso que agradeço a Teresa Martins Marques o seu belíssimo livro que, além de um romance muito bem escrito sobre o tema do Don Juanismo, combinando uma erudição fabulosa e que cruza conhecimentos de várias áreas, numa linguagem escorreita e despretensiosa, é um hino de homenagem a essas mulheres corajosas que souberam fintar o seu destino, uma homenagem também ao trabalho inexcedível da APAV, cujo aparecimento tem contribuído para uma viragem na vida de muitas mulheres. Obrigada, Teresa! Corajosa, sempre." 
Maria João Cantinho - FACEBOOK- 27 de Janeiro de 2013


 MARIA JOÃO CANTINHO

 Nasceu a 3 de Outubro de 1963, em Lisboa. Passou a infância em Angola, de onde regressou em Fevereiro de 1975. Estudou na Universidade Nova de Lisboa, onde se licenciou em Filosofia. Realizou tese de mestrado, Sob a orientação de Maria Filomena Molder, intitulada "O Anjo Melancólico; sobre o conceito de alegoria na obra de Walter Benjamin" (publicada na Angelus Novus). Realizou Doutoramento, Com orientação de Maria Filomena Molder (UNL) e Co-orientação de Gérard Bensussan (UMB, Strasbourg) com a tese intitulada "Walter Benjamin, entre o Messianismo e a Revolução: a História Secreta". Actualmente lecciona no ensino secundário, no Iade, é investigadora do CFUL (Lisboa) e do Centre d'Études Juives (Sorbonne), membro da Direcção do PEN Clube Português, Sócia da APE (Associação Portuguesa de Escritores) e do APCL (Associação portuguesa de críticos literários). Colabora regularmente com a Colóquio-Letras e várias revistas literárias e académicas.

Bibliografia
A Garça, editora Diferença, Leiria, 2001.
Abrirás a Noite com um Sulco, Lisboa, editora Hugin, Lisboa, 2002.
O Anjo Melancólico, editora Angelus Novus, Coimbra, 2003.
Sílabas de Água, editora Ver-o-Verso, Porto, 2005.
A História do Palhaço Bonifácio, editora Ver-o-verso (no prelo).
Caligrafia da Solidão, no prelo
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Do conceito de Violência Divina em Benjamin ao Conceito de Violência em Zizek

Mais do que nunca precisamos de pensar no papel da violência e do seu poder e na função que ela tem, atualmente, nos nossos regimes supostamente democráticos. Quer na sua função de manter a ordem, a violência do direito, a jurídica, a que é exercida para manter a ordem e sancionar, seja na violência revolucionária, quiçá legítima, como ela é exercida hoje, por toda a Europa, Norte de África (nos países como Egipto, Tunísia) ou seja, ainda, como nos mostram os mais recentes acontecimentos, particularmente na Turquia, Ucrânia, etc..
Como pensar atualmente a violência como poder (Gewalt) -independentemente das conotações que possa ter o conceito - , nas nossas sociedades que estão cada vez mais ameaçadas pelo imperialismo económico, fazendo desintegrar a mais importante conquista da Europa, que era o “Estado Social”? Não se terão transformado as nossas democracias em algo em que vigora já a lei de exceção? É neste contexto que nos interessa considerar a pertinência do pensamento de Zizek e da sua interpretação ou releitura do conceito de violência divina de Walter Benjamin.
Texto completo em : 

EXCERTOS DE DUAS CARTAS DO EUGÉNIO LISBOA SOBRE O ROMANCE

18/12/ 2013
Querida Teresa, estou a ler o seu romance, com o mesmo “zest” com que li o “Romance de Cordélia”. Ça se dévore! É denso, recheado e empolgante. E não é escrito por uma universitária, é escrito por uma romancista! (…) É escrito para as pessoas, como costumavam fazer os bons romancistas... (…)  Viva a arte do romance!
Até breve!
Beijinhos
Eugénio

 8 de Janeiro de 2014
Querida Teresa, interrompi a leitura do seu livro, na agitada “quadra” (agora, sempre melancólica), de modo que o retomei agora, mas fazendo questão de o recomeçar desde a primeira página. Agora a leitura flui, à bolina. Estou a gostar muito. A Teresa é uma excelente psicóloga e há ali momentos de boa e “disguised” “autobiografia”. A cena da ceia no Olivier é curta mas magistral: o Martin du Gard assinalá- la-ia! Tem momentos muito fortes e personagens desenhados com garra. Mas ainda me falta a arquitectura e a visão de conjunto. O Fróis é cá um personagem! Ajuste de contas? Depois lhe conto.
Beijinhos do
Eugénio

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Eugénio de Almeida Lisboa licenciou-se em Engenharia Eletrónica no Instituto Superior Técnico de Lisboa.
Desempenhou cargos importantes, nomeadamente o de Chefe dos Serviços de Exploração da Rede Elétrica na Cidade da Beira ( Moçambique ), Diretor das Instalações Petrolíferas da Total Oil Products bem como o cargo de Gerente Geral e Administrador da Companhia Petrolífera SONAP e Administrador da Refinaria SONAREP, também em Moçambique.
Foi Conselheiro Cultural na Embaixada de Portugal em Londres durante dezassete anos, e entre 1995 e 1998 desempenhou funções como Presidente da Comissão Nacional da UNESCO em Lisboa.
 A partir de 1996, a Universidade de Aveiro, através do seu Departamento de Línguas e Culturas, passou a dispor da colaboração, na área da Literatura Portuguesa, do Professor Eugénio Lisboa.
Embora tendo tido uma formação académica, na área de engenharia eletrónica, desde cedo se dedicou ao culto da língua e da literatura de tal forma que se tornou professor em várias universidades estrangeiras e por fim, na Universidade de Aveiro, sempre a par com um percurso de criador e crítico literário que lhe granjearam merecido reconhecimento.
Em 2002, o Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro, propôs a atribuição do grau de Doutor Honoris Causa ao Engenheiro Eugénio Lisboa, que veio a recebê-lo em dezembro desse ano, durante a Cerimónia Comemorativa do 28º Aniversário da Universidade.
Fonte:https://www.ua.pt/PageText.aspx?id=3916
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Carta de Eugénio Lisboa ao Primeiro Ministro

Exmo. Senhor Primeiro Ministro
Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.
Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito – todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! – mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal.
Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia.
A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos. Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.
Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos , situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se contempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robôtico Ministro das Finanças  - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.
Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes  termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.
Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino – uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.
De V. Exa., atentamente,
Eugénio Lisboa

Carta de um Leitor de «A Mulher que Venceu Don Juan »

Boa noite Profª Teresa Martins Marques,

Queria explicar-lhe porque é que este "mascarado" de bombeiro lhe pediu amizade. Antes de tudo sou de facto bombeiro voluntário e arqueólogo de profissão. Depois dois motivos me levaram a pedir-lhe amizade, um foi a Augusta e outro o livro que ela me recomendou "A Mulher que venceu Don Juan".
Fiz uma leitura "acompanhada" do livro, a Augusta ia-me fazendo perguntas e eu ia-lhe colocando algumas questões e rapidamente fui transportado para dentro da narrativa....conhecia os locais, a existência das casas seguras, uma vez que enquanto ex- autarca trabalhei com várias entidades responsáveis por essas e outras situações de violência e até de algumas pessoas. Queria só fazer um pequeno reparo, se me permite. A Caparica é o centro de um conjunto de locais...o Monte, a Torre, a Costa, a Sobreda e a Charneca de Caparica. Infelizmente mesmo em documentos oficiais a grafia está incorrecta e aparece da e não de Caparica. É um pormenor...de arqueólogo.Outro pequeno pormenor...uma gralha, animal em vias de extinção devido aos correctores ortográficos, é quando se fala da curva do Mónaco e que aparece como Minico, da primeira vez que é referido....na segunda está correcto.
Livraria Ferin, dezembro de 2013
Os locais de Caparica, a Torre Velha, a minha casa, a Faculdade de Letras, onde ainda vou voltando apesar das magoas que me acompanham...mas passado é para reflectir mas vive-se o presente.
Quando falou da João Coutinho, que não vejo há muitos anos, mas que se iniciou na arqueologia...Tudo se conjugava para viver toda a história e à medida que lia ia entendendo alguns enredos e comecei a dar nomes, que eu pensava reais, às personagens e não me enganei muito....a história tornava-se cada vez mais real e eu estava dentro da história, não me senti leitor, mas personagem.Mas o que lhe quero dizer é que adorei o livro, de uma enorme intensidade, que me comoveu até às lágrimas e que me custa abrir porque sei o resultado...Já disse à Augusta, este livro tornou-me seu fã. Adorei a narrativa, a forma de escrever, o colocar cenários e pessoas reais....é um livro magnífico.
E isto tudo serve no fundo para quê, para lhe agradecer a partilha que fez com
este humilde leitor.
Muito Obrigada.
Manuel

Virgílio Gomes, Fortaleza do Guincho e A Mulher que Venceu Don Juan

Não, não mudei o caminho das minhas crónicas habituais. Leiam até ao fim e vejam como vamos encontrar comida na sua excelente execução.
 
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A Mulher que Venceu Don Juan, de Teresa Martins Marques, da Editora Âncora
 
 O título da crónica é também o título de um livro que foi lançado em Lisboa, a 7 de dezembro, estando eu já na fuga habitual aos rigores do inverno, e aproveitando para deixar de ver e ouvir os dramáticos noticiários televisivos. A sua autora é Teresa Martins Marques, de quem tenho a sorte de ser amigo, e a certeza de que também ela é minha amiga. Em vésperas de eu partir ainda teve tempo de me entregar o livro na Pastelaria Versailles onde acompanhámos um chá com uma fatia de Bolo-rei. O livro revelou-se numa forma original como folhetim no FaceBook, e agora em livro. O seu conteúdo, ficcionado com muitas realidades, remete-nos para questões de vivência familiar e social, diferentes tipos de violência, problemas de retaguarda complexa e aparência dúbia que todos nós conhecemos mas que raramente queremos esclarecer. Onde há verdadeiras vítimas. Raramente temos coragem para identificar e enfrentar os falsos Don Juans, ou melhor, não queremos assumir as patologias dos outros que envolvem dramas emocionais. E vivemos num mundo de muitas hipocrisias. Este livro não é de uma escrita “feminista” mas os relatos de uma mulher que descreve outras, mas heroínas. Um livro para todas as mulheres e todos os homens esclarecidos. Ou, quem sabe, os ajude a esclarecer.
 
 
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Fortaleza do Guincho
 
 Não vou revelar detalhes do enredo, apenas que se trata de uma realidade que pensamos estar, sempre, mais longe de nós. Se isto não bastasse, e perdoem-me o interesse, eu surjo por duas vezes no livro. Porque o livro também tem quotidiano. E eu contribuo para um prazer quase no final, numa refeição real, onde todos os detalhes são reais do menu, ao prémio do chefe de cozinha. Estamos na Fortaleza do Guincho.
Para compensar, e aproveitar os maravilhosos dias de Sol que antecederam a minha fuga para o Brasil, estive a almoçar no Restaurante da Fortaleza do Guincho, e aqui vos deixo o relato do que foi esse repasto para vos abrir o apetite:
 
 
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Polvo da nossa costa
 
 
 
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Vieiras marinadas, mousseline de funcho e aipo crocante com limão confitado
 
 
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Foie gras em gelatina com citrinos
 
 
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Pregado cozido em vapor, bivalves da Ria Formosa e aipo, caldo perfumado com combawa
 
 
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Daquoise e cremoso de coco, ananás marinado com gengibre e limão da Pérsia, sorvete de manga
 
 
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Macaron de framboesa, mascarpone perfumado de violeta, sorvete de litchie
 
 
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Mignardises para o café
 
 
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Um atrevimento trazido por mim: Marrons Glacés confecionados em Trás-os-Montes
 
Mais uma vez aplausos para Vincent Farges e sua equipa.
 
BOM ANO 2014
© Virgílio Nogueiro Gomes

Sara e Luís na Veneza Algarvia

Tavira.Foto Lb
 Dali regressaram ao Hotel Porta Nova, subiram ao 5º andar  até ao bar panorâmico,  de onde se avista, magnífica, a cidade em 360º. Sara olha ao longe, está feliz e pensa que o seu futuro será bem diferente do passado, mas ignora que o gerente da CGD desconfiou de tão avultado levantamento de dinheiro. Logo que Sara saiu da agência,  telefonou para Lisboa a dar conhecimento do caso, desconfiando se ela  envolvida nalguma questão com a justiça, preprando-se para fugir por Ayamonte. Fosse como fosse, aquela não era uma operação corrente. Ali havia coisa, oh, se havia…

 Vão agora refrescar-se, descansar antes do jantar. O arroz de polvo e a muxama  esperam por eles.  No dia seguinte será o passeio até à praia do Barril, e de tarde a conferência de Luís, na Biblioteca Álvaro de Campos, onde a directora Paula Ferreira o espera.  Depois do jantar, Sara e Luís estão agora sozinhos e convida-a para uma bebida no bar, não alcoólica, garante ele. A elegância dela sobressai nas calças brancas de linho,  top de seda estampado a preto e branco. Agora bem lavada e passada a ferro, era esta a roupa que vestia no dia em que foi sequestrada e que o Joaquim meteu à pressa num saco, quando a salvou da cave do inferno. Sara afastou a ideia, a vida agora era outra, o passado como um país distante, pensou. Os cabelos soltos agitavam-se ligeiramente, a noite quente de Julho favorecia  o romantismo. Agora que já dispunha de dinheiro mais do que suficiente, teria de contar a verdade a Luís, encerrando o capítulo de mulher-a-dias.  Hoje ainda não diria nada, mas se ele lhe fizesse uma pergunta directa, mentiria o menos possível.

Observam as luzes sobre a cidade.
– Parece que estamos num país estrangeiro, distante...
Luís olhou-a curioso.
 – O passado é um país estrangeiro, − remata Sara. 

 In: 
 A MULHER QUE VENCEU DON JUAN

14/04/2014

A DAMA DO MAJESTIC

Apresentação do livro  no Café MAJESTIC.
Na imagem, Teresa Martins Marques e Júlio Machado Vaz
– Porquê a sexta?
– A condizer com a classificação do Majestic.
– Sim?
– É o sexto mais belo café do mundo.
– Depois de…
– Depois do New York em Budapeste, Florian di Venezia,  Wien Café Central
– Et du Café de la Paix,  à Paris − rematou a dama, com um belo accent parisien, a duplicar um sorriso trocista.
– Ah, desculpe, afinal estava informada…
– Mais ou menos, acrescentou discretamente.
– O Top 10  da Ucityguides, vale o que vale.
– Na verdade. É discutível que coloquem o Majestic, com todo o respeito pelos portuenses, à frente da Pastelaria Colombo  no Rio.
– Acha? − pergunta, patrioticamente, o cidadão de Avintes.
–  É uma simples opinião. Não é matéria de fé, riu a senhora.
– De fé, não é de certeza, porque o Vaticano  ainda não decide os rankings de cafés…
– Também acho muito discutível que se coloque o Gambrinus de Nápoles, à frente do Tortoni de Buenos Aires.
– Lá nisso estou de acordo consigo. Bastaria estar lá o Borges para aumentar a pontuação.
Arriscou a referência para avaliar o ranking da dama em matéria literária. Ela percebeu-o e disse-lhe:
– O Tortoni de boa memória. Não tão boa como a de Funès, é claro…
Agora é que o Manaças ficou mesmo enrascado, não estava a ver nenhuma ligação entre o popular actor francês  e o  Jorge Luis Borges, mas não se desconcertou.
– Pois, o  Louis de Funès, mas ele rodou lá alguma coisa?
Não esperou pela resposta e continuou a debitar:
– Vi-o no Musée Grévin, há tempos…
– No Grévin? –diz ela a rir da confusão dele.
– Sim no museu da cera, está de gendarme mal-humorado.
–  Bem, deixe lá , não era esse  Funès,  era outro.
– Ah!
 O Manaças  não tinha  lido Funes el Memorioso, o conto de Jorge Luis Borges,  escrito em 1942, incluído  em Ficciones. Acontece aos melhores, quanto mais aos piores. O Manaças  começava a ficar deveras intrigado. Quem seria a dama? Viajada ela era, para conhecer tanto café por esse mundo.  Mas adiante, o que importa é que caia algum, pelo menos que pague esta conta, ia futurando  o Manaças. Não havia meio de desandar, pensava a dama que ia bebericando o seu chazinho. Continuando a desejar impressioná-la, o Manaças mudou a conversa para outras ficções  menos literárias, mas mais rendosas:
– O biógrafo da  J. K. Rowling  o Sean Smith, refere que ela passava muito tempo aqui no Majestic a trabalhar no primeiro Harry Potter.
–  Disso  não sei nada. Mas  sei que há outros  mais ilustres que passaram por cá:  o   Régio, o Pascoaes, o Leonardo Coimbra, o Manoel de Oliveira, o Júlio Resende.
– Ah, mas é claro que sim − emendou o Manaças − ao ver que baixara demasisado a fasquia ao falar de Harry Potter.
A senhora continuou a enumeração: Os quatro vintes…
– Quatro vintes?
– O José Rodrigues, o Armando Alves, o Ângelo de Sousa e o Jorge Pinheiro, todos classificados com vinte valores nas Belas-Artes.
– Claro, claro, e  até mesmo o Gago Coutinho, sempre acompanhado de belas mulheres…
Manaças acompanhou a frase de um sorrisinho especial.
– Acredito que sim. O livro de visitas mostra bem a qualidade dos visitantes.
– Viu quem é a primeira pessoa que aparece na internet?
– Vi, sim senhor. Era um grande amigo meu.
– Ah conheceu-o − disse o Manaças entusiasmado − com uma arrière- pensée.
– Conheci-o a  ele e à mulher dele, a Pilar  de quem  sou  amiga.
O primeiro nome a figurar no livro de visitas da internet era o de David Mourão-Ferreira, que  escrevera, em 9 de Janeiro de 1986:

Nunca venho ao Porto sem dar ao menos um salto a este belo café Majestic, que não hesito em considerar como um dos que em toda a Europa melhor conservam a atmosfera dos começos do século e que, por isso mesmo, bem importa conservar, preservar, respeitar.
In: A Mulher que venceu Don Juan

Teresa Martins Marques - ESTA CARTA COMOVEU-ME IMENSO!

DE HELENA, UMA LEITORA DE «A MULHER QUE VENCEU DON JUAN»


E agora, Teresa, querida Teresa? agora o que se segue a este vazio que fica quando termino de ler a Mulher que o venceu?
ontem dizia à Anabela que não tenho adjetivo nenhum, ou melhor, nenhum conjunto deles estaria próximo do que senti ao ler estas suas palavras, muito embora com contributo de muitos, saídas de si.
estou encantada!!!!!!!!!!!!!!!
encantada por tanto!!! 
pela forma como sente o que escreve ( porque só pode escrever assim, quem sente ).
por nos transportar para universos tão distantes e tão próximos, com nomes tão diferentes e vivências tão semelhantes.
confessei à Anabela também, logo no final do segundo capítulo, que este livro mudou a minha vida.
ontem, quando terminei a leitura confessei-lhe.
explico porquê.vou tentar ser breve.
esta Sara de nome Helena, casou-se com um médico atraída pela delicadeza, dedicação e..sei lá..veneração, após um casamento falhado,com um homem que passava por ela como se por uma folha de papel transparente se tratasse e a humilhava, mesmo em público (para ser breve).
foram 3 anos de gaiola dourada, com todo o luxo numa casa na Penha Longa, Porsche sem sr. Joaquim, mas com um ataque de pânico que lhe valeu um ano de sono forçado e tratamento psiquiátrico intenso ( o primeiro psiquiatra teve tão bons resultados após a primeira consulta, que foi obrigada, por ciúmes do marido a procurar outro!!!!!!!!)...passou a fingir nunca estar assim tão bem à saída das consultas, e aos poucos, recuperou a vontade de ...poder morrer em paz!
estranhou, quando telefonou ao psiquiatra a contar o sucedido, ele contar ser habitual!
quando num fim de semana o marido foi ao Porto a um seminário, regressou a uma casa vazia, um pequeno carro carregado por duas vezes chegou para transportar tudo o que era importante (dela e dos seus dois filhos).
agora na primeira pessoa..

....com todos os outros de um extenso areal...

recuperei resto da minha alegria, junto a um homem que desde há muitos anos se impressionara com a humilhação que me viu sofrer num jantar num restaurante no Guincho com o primeiro estupor!... venho saboreando cada momento de cada dia, cada hora de cada noite junto a ele e dando valor ao apreço, respeito, carinho, dedicação e amor deste 'Luís', o Pedro.
o psiquiatra que me acompanhou, um verdadeiro gentleman a quem devo tudo o que hoje tenho e vivo, recomendou-me alguns livros que li na altura...mas foi esta "mulher que venceu d. juan" que me fez tomar consciência do meu grão de areia, pela sua pequenez e pela semelhança com todos os outros de um extenso areal...
e para terminar...e porque as mães não são todas iguais,nem vão visitar os filhos à prisão, e porque muitas vezes não querem ver a infelicidade estampada no rosto das filhas em prol dos Porsches e das piscinas de águas quentes...ofereci esta sua ( perdão agora nossa ) pérola à minha mãe no dia do seu aniversário, na esperança de um dia entender que houve uma Esmeralda tão perto dela e ao mesmo tempo tão longe.
bem haja, teresa, por o ter escrito, pelo bem que fez e que fará às gerações que estão para vir, pelo alerta, pela mensagem de esperança que deixa e pelo " não vence quem não tenta", que de uma forma tão exemplar nos leva a fechar o livro, cheios de esperança!


abraço reconhecido e cheio de admiração!!!!!!!!!!!!

Helena

A Mulher que Venceu Don Juan e Moncorvo

Foto de Lb
Luís e Sara foram nessa tarde levar o sr. António à Adeganha, preocupado que estava com o gado, uma junta de vacas, uns vitelos, porcos, ovelhas, uma burra, que estariam por lá cheios de fome. A casa rústica, que vinha, com sucessivos remendos, do tempo dos avós de Luís, deu a Sara o enquadramento da infância do amigo. Gente simples, de boa cepa transmontana, em que ela reconhecia o passado dos avós de seus avós.

De volta a Vila Real, passaram ainda pela Igreja Matriz de Moncorvo, declarada Monumento Nacional em 1910. O templo de maiores dimensões em Trás-os-Montes, dedicado a Nossa Senhora da Assunção. Anos antes, Sara  visitara a Igreja  e ainda tinha uma vaga ideia de uma imponente torre de cantaria e de um portal renascença. Luís mostrou-lhe um conjunto iconográfico, constituído por três imagens dentro de nichos barrocos, recortados em concha. Apreciaram a balaustrada de granito a cerca de trinta  metros de altura, no topo da torre. Num portal, com a  imagem de Nossa Senhora do Coberto, estava a data de 1567. Num outro, com data do ano anterior, a imagem do Padre Eterno. Viram um por um os quatro altares laterais, dedicados a Santo António, às Almas, a Nossa Senhora do Rosário e aos apóstolos Pedro e Paulo, bem como um tríptico do século XVII, representando cenas da vida de  São Joaquim e Santa Ana.  A revelação do anjo a São Joaquim, o encontro dos esposos na Porta Áurea de Jerusalém, o seu casamento e, por último, a apresentação do Menino Jesus por Nossa Senhora à avó do Menino. No altar-mor puderam observar um retábulo de Jacinto da Silva executado pelo artista em 1752. Lá estava o antigo cadeiral do cabido em duas filas e nas paredes os frescos de Francisco Bernardo Alves, representando a "Última Ceia" e "A Virgem Comungando". Tudo isto Luís explicou miudamente a Sara, que o ouvia atentamente, com terna devoção.Pareciam ter recuado ao tempo da adolescência. Sara sorria como se outro mundo, lá fora, não existisse.
IN:
A Mulher que Venceu Don Juan
Autora: Teresa Martins Marques.Hoje às 18 horas no lendário café Majestic, no Porto, o livro de Teresa Martins Marques, A Mulher que Venceu Don Juan, será apresentado por Júlio Machado Vaz.

13/04/2014

A Mulher que Venceu Don Juan

António Monteiro.Foto de arquivo.

– Mas, então, se não é da Pampilhosa, de onde é ?
– De Vila Real.
– O quê? É transmontana? – Luís fez um sorriso de orelha a orelha.
– Sou, mas porquê? – pergunta ela, não percebendo a razão de tamanho júbilo.
– Porque eu também sou transmontano. De Torre de Moncorvo.
– Não me diga! Tenho lá um primo de meus pais.
– Quem?
– O António Monteiro.
– O Monteiro? O engenheiro agrónomo, presidente da Cegtad?
– Sim, é engenheiro, o resto é que já não sei…
– Ah, mas sei eu. É  um amigo de peito.
– E o que é isso da Cegtad?
– Confraria de Enófilos e Gastrónomos de Trás-os-Montes e Alto Douro.
– Nunca ouvi falar dela aos meus pais.
– Não é do tempo dos seus pais. Foi fundada há dezassete anos, em 1995.
− E tenho lá também um parente numa aldeia com um nome muito engraçado − Peredo dos Castelhanos. É um jornalista muito conhecido que vive em Lisboa.
−  Não me diga que é o Rogério Rodrigues!
− Esse mesmo.
− Um grande senhor do jornalismo, o Rogério.
− E também poeta e dos melhores.− Mas isto são muitas surpresas para um só dia! Havemos de ir jantar com o Rogério ao Solar dos Presuntos.
IN:
A Mulher que Venceu Don Juan
Autora: Teresa Martins Marques

Sinopse: A Mulher que Venceu Don Juan inclui no entrecho ficcional três personagens de fundo donjuanesco. Amaro Fróis, cirurgião plástico, procura nas mulheres a vingança de um passado tenebroso; Manaças, serial lover, recalca uma pulsão proibida; Joana colecciona os namorados das amigas.

Os três serão vencidos: o primeiro por uma mulher que subestimou; o segundo pelo verdadeiro objecto do desejo recalcado; a terceira por uma presidiária, cujo companheiro seduziu. A protagonista, Sara Dornelas, escapa à morte e encontra o amor, realizando, pelo estudo, um sonho antigo. Dois seres de eleição, a psicóloga Lúcia e Paulo, comissário da polícia, assumem um papel decisivo no desmantelamento de uma rede tentacular e no castigo dos criminosos, unidos por ignorados laços de sangue.
Travejada por diálogos vivos, ora dramáticos ora humorísticos, a acção decorre em múltiplos lugares, potenciando o efeito de real pela intrusão de figuras verídicas que interagem com as personagens ficcionais. Entretanto, Manuela, jovem doutoranda, prima de Doña Juana, prepara em Copenhaga, e defende com sucesso, uma tese sobre o Diário do Sedutor de Kierkegaard, duplicando, no plano teórico, os meandros do desejo, no plano da acção, e gerando uma atmosfera de suspense até ao último fio da intriga romanesca.

Teresa Martins Marques é doutorada em Literatura e Cultura Portuguesas, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Actualmente, investigadora no CLEPUL e, entre 1992-1995, no Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia das Ciências de Lisboa.
Dirigiu a equipa de organização do Espólio Literário de David Mourão-Ferreira (Fundação Calouste Gulbenkian / Ministério da Educação, entre 1997-2004). Dirigiu e prefaciou a Edição das Obras Completas (13 volumes) de José Rodrigues Miguéis (Círculo de Leitores, 1994-1996).
Publicações de ensaio: colaboração em três dezenas de volumes colectivos.
Livros: Si On Parle du Silence de la Mer (1985); O Eu em Régio: A Dicotomia de Logos e Eros (Prémio de Ensaio José Régio-1989), 1.ª ed. 1993; 2.ª ed. 1994; O Imaginário de Lisboa na Ficção Narrativa de José Rodrigues Miguéis – 1.ª ed. 1994; 3.ª ed. 1997; Leituras Poliédricas(estudos sobre Cesário Verde, Gomes Leal, Raul Brandão, J. Régio, José R. Miguéis, V. Nemésio, Eugénio Lisboa et alii) – 2002; Clave de Sol – Chave de Sombra. Memória e Inquietude em David Mourão-Ferreira (2011); Ficção: Carioca de Café (conto) – 2009; A Mulher que Venceu Don Juan – primeiro romance-folhetim português publicado no Facebook (2012- 2013), sendo a presente uma nova versão, revista e aumentada.

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«Chegado ao fim este excelente romance, não temos dúvidas em dizer qual foi A Mulher que Venceu Don Juan: Teresa Martins Marques.
Não falhou uma única semana e foi tendo um diálogo com os cada vez mais numerosos e entusiasmados leitores, ouvindo-os, ‘provocando-os’, estimulando-os e deixando-se envolver de modo muito próximo; e venceu o preconceito do FB mostrando como este meio de divulgação pode ser excelentemente aproveitado.
Encheu o folhetim com excesso de realidade, não por ter lá colocado o nome de muitos leitores, entre os quais me incluo, não; o excesso de realidade consiste em ter enfrentado problemas que são cancros de hoje, como a violência, quer doméstica [com a divulgação da APAV e do seu trabalho] quer de uma sociedade que muito assenta no sofrimento infligido aos mais fracos sob diversas formas; o excesso de realidade mostrando como o crime mais hediondo não escolhe classes, antes se acoita entre psicopatas que podem ocupar o expoente da nossa sociedade; o excesso de realidade de que existe uma sociedade solidária, que não desiste, que não cede às maiores dificuldades, que persiste muitas vezes para além do suportável e encarnando em pessoas que só na aparência são fracas; o excesso de realidade de que o amor é tão vário que pode exigir a separação quando do convívio só resulta dor; o excesso de realidade de que o donjuanismo é afinal a camuflagem do seu contrário, que se reprime.
Tudo isto foi servido numa linguagem simples e rigorosa, com grande respeito pelos leitores, na imensa cultura em que assenta, num ritmo que prendeu ao longo de muitas semanas, sem medo de apresentar reflexões profundas e originais sobre diversos temas sem nunca ser cansativa, em particular sobre Kierkegaard, e com muito humor à mistura. Não posso deixar de dizer algo que me é muito querido: é um folhetim que trata o mirandês com o respeito devido a uma língua milenar e ao povo que a fala, que o divulga e dá a conhecer, o que é a primeira vez que acontece numa obra literária.»

Amadeu Ferreira