29/06/2014

Manuel da Mata e A MULHER QUE VENCEU DON JUAN

Quando terminei a leitura de A MULHER QUE VENCEU DON JUAN de Teresa Martins Marques, na manhã de 11 de Fevereiro do corrente ano, fiquei com a sensação de que não tinha lido apenas mais um romance. Não me dei conta de grandes inovações formais, é certo, mas a temática e o modo de escrever da autora tinham-me conquistado.
     O quarto da Filipa era em frente da nossa biblioteca. Uma biblioteca com muita poesia e com muita prosa romanesca e ensaística. Era a biblioteca do pai e da filha, que agora é só do pai, ainda que a filha continue presente neste pequeno grande mundo de faunos, mortos muitíssimos e vivos muitos, felizmente.
 - Acabei de ler a Teresa Martins Marques e gostei imenso.
- Eu também hei-de ler o livro e depois trocamos impressões.
- Sim, tá bem, mas eu vou já escrever umas linhas, que tenho as ideias frescas.
- Acho bem. Depois mostra-me.

     Eu comecei a teclar o texto, que publiquei no blogue FRAGMENTÁRIA MENTE,enquanto a Filipa continuou a trabalhar no ALMANAQUE, que foi o seu último trabalho sob a orientação da Professora Vânia Chaves, no CLEPUL. Não precisei de muito tempo para escrever o pequeno texto sobre aquele que para mim era o romance de 2013. O romance de 2014 é de outra autora, que, por sinal, também é uma excelente amiga.
- Já escrevi, Filipa.
-Lê lá, pai.
     Lido o texto, perguntou-me:
- A que propósito vem o Bernardim?
- É o “incipit” menina. É um verdadeiro achado, Sara a protagonista saiu de casa de seus pais, a contragosto, com dezassete anos.
- Bem visto, pai. O texto é curtinho mas está giro. Publica-o no blogue.


E o pedido foi aceite. Imediatamente. Desta vez a Filipa, que sempre tive como segunda leitora, exigente, não leu o meu texto. Ouviu. Não teve tempo para ler o romance da amiga, do qual conhecia fragmentos lidos no Facebook. Ficámos com essas impressões por trocar.

A MULHER QUE VENCEU DON JUAN de Teresa Martins Marques é um excelente romance, que vai, seguramente, dar muito que falar nos tempos mais próximos. Por várias razões, entre as quais avultam: o tema central, a violência doméstica, que é “transversal a todos os estratos da sociedade”; a qualidade da escrita, que revela uma autora capaz de utilizar a língua portuguesa com grande mestria, nos mais diversos registos; a inscrição na matéria romanesca da própria crise que a sociedade portuguesa atravessa, na actualidade.
   A MULHER QUE VENCEU DON JUAN agarra o leitor no primeiro parágrafo e o mais apetrechado não deixará de lembrar Bernardim: ”Saudades, só tenho do mar. Da vista do mar da Foz. Por mais que pense que o Atlântico é o mesmo, este que vejo aqui da janela do Monte da Caparica não o sinto como meu. A Foz era outra coisa”. Mas esta “menina e moça”, Sara, que casa aos dezassete anos com um médico, o cirurgião plástico Amaro Fróis, por imposição dos pais, dá imediatamente conta ao leitor da sua vida fútil e deixa adivinhar a má relação que tem com o marido. Depois, depois o livro lê-se num ápice, porque as trezentas e vinte e quatro páginas estão recheadas de peripécias múltiplas, onde a par da narrativa principal, outras narrativas se vão encaixando, sem nunca perder de vista o tema central da obra, ou seja, a violência doméstica.
  Não olvidarei, seguramente, Sara, Amaro, Paulo, Lúcia, Luís, Joana, Odete, Maria, Manaças, Francisco, etc., o que augura um destino auspicioso para este romance.

BIOGRAFIA BREVE
 Manuel da Mata, aliás Manuel Barata, nasceu na Mata, Castelo Branco, em 1952.
Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na década de oitenta do século passado, pela qual se licenciou em Estudos Portugueses e Franceses.
Foi funcionário público e professor do ensino secundário privado.
Escreve poesia e prosa com regularidade. Estreou-se com QUADRAS QUASE
Popular (2003) e o último livro publicado dá pelo nome de QUADRAS POPULARES – UMAS SIM, OUTRAS QUASE (2011).
Viveu na Mata, Castelo Branco, Paris, Luanda e Santa Iria de Azóia.
É aposentado da função pública.

26/06/2014

COMENTÁRIO DO LEITOR ARTUR SALGADO

E o Dr. Fróis, personagem em Panamera transportado, é bem o mau exemplo desta sociedade ambivalente de " antes parecer que ser". ...Muitos dos nossos banqueiros , e outros especuladores encartados do tipo Madoff, bem precisariam de ler a " Mulher que Venceu D. Juan " da professora Teresa Martins Marques a fim de meterem a mão na consciência.
 Duvido! Eles continuarão por aí sem rebuço. É o hedonismo contemporâneo no seu melhor.. Vamos continuar a ler a escrita límpida, por vezes irónica e acutilante, que nos transporta para a nua e reles realidade dos nossos dias..

 . Parabéns à Professora Teresa pela sua capacidade literária e de análise sociológica que nos é dada a ler..

Alguns textos de Artur Salgado no blogue Farrapos de Memória:
http://lelodemoncorvo.blogspot.pt/2012/05/o-castanheiro-contrastes-humanos-e-da.html
http://lelodemoncorvo.blogspot.pt/2013/07/oh-maria-ja-foste-ao-palheiro-escolher.html

Ilda Figueiredo e "A Mulher que Venceu Don Juan"

Boa noite Dr.a Teresa Marques

Já li o seu livro da mulher que derrotou D. Juan. Muito interessante.
Valeu a pena.
Apreciei as figuras de mulheres que criou, com especial carinho para a Sara/ Esmeralda e a Lúcia.

Muitos parabéns.

Felicidades.
Um beijo

Ilda Figueiredo


Maria Ilda da Costa Figueiredo (Troviscal, 30 de Outubro de 1948) é uma economista e política portuguesa.

Passou a infância e a juventude em Troviscal, até se mudar para Chaves com a família. Casou-se aos dezanove anos, altura em que foi para Vila Nova de Gaia. Iniciou a sua vida profissional como professora do Ensino Primário, e licenciou-se em Economia, pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Nunca deixou de leccionar, tendo passado pela Escola Secundária Almeida Garrett e pelo Instituto Superior Jean Piaget, além de ter orientado acções de formação para professores. É mestre em Administração e Planificação Escolar, pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique (1998). Em Aveiro fez parte da Juventude Operária Católica e filiou-se no Partido Comunista Português, após o 25 de Abril de 1974. Colaborou com o Sindicato Têxtil do Porto, onde se profissionalizou como técnica sindical, em 1977. Dois anos depois, estreava-se como deputada à Assembleia da República, eleita pelo PCP, funções que manteve até 1991. Paralelamente desempenhou o cargo de vereadora na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, entre 1983 e 1990, sendo encarregue do Pelouro do Ambiente e Jardins. Em 1994 voltou a desempenhar funções autárquicas, desta feita na Câmara Municipal do Porto, sendo reeleita em 1997. No primeiro mandato ficou com o Pelouro da Saúde e Sanidade e pertenceu ao Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento. No segundo mandato, na sequência de um desentendimento com o presidente da câmara, o socialista Fernando Gomes, não teve nenhum pelouro atribuído.
Em 1999 Ilda Figueiredo foi eleita pelas listas do PCP para o Parlamento Europeu, onde pertence ao grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde , sendo reeleita em 2004 e em 2009, desta vez como cabeça de lista .

Ilda Figueiredo é colaboradora regular em diversos órgãos de comunicação social e escreveu Educar para a Cidadania (1999) e No Mar Não Há Árvores (2003), com reflexões sobre Portugal e o mundo no pós-11 de Setembro.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilda_Figueiredo

25/06/2014

Maria Carlos Lino de Sena Aldeia e "A Mulher que Venceu Don Juan" de Teresa Martins Marques

Maria Carlos Lino de Sena Aldeia
O romance A Mulher que Venceu Don  Juan, de Teresa Martins Marques, possui um tão forte dinamismo na acção que cria em nós, leitores, uma curiosidade crescente à medida que a trama se vai desenvolvendo. Todavia, esse nosso desejo é coarctado pelas constantes pausas na evolução da intriga e pelas investidas de um narrador erudito que nos presenteia com um manancial de informação de pendor didáctico e de intenção pedagógica. São vários os pretextos que sustentam esta intenção, mas ressalta-se o das viagens e deambulações e que privilegiam espaços como Lisboa, Tavira, Porto, Vila Real, Torre de Moncorvo. Nestas viagens e deambulações realizadas por Sara, personagem cuja vida esteve fechada num parêntesis de anestesia e que precisa de aproveitar o tempo perdido e de exorcizar os seus males (e neste sentido as viagens podem aqui ter um alcance de peregrinação) reflecte-se muito sobre a cultura do nosso povo, revisita-se e reinvoca-se o passado através da história de monumentos ou de edifícios de interesse público, tais como, a Fortaleza da Torre Velha (de Caparica), a Igreja da Misericórdia de Tavira, a Igreja Matriz de Moncorvo ou o Café Majestic, relembram-se tradições  e costumes. Mas este narrador, omnisciente ou investido na pele de alguma das personagens, não se fica por aqui na prestimosa oferta de informação: ele discorre eruditamente e com comprazimento sobre  temas literários, com abundância de referências e citações  de autores, sobre filosofia, psicologia, cultura, enfim. Desde notas biográficas sobre D. Francisco Manuel de Melo até explanações sobre intervenientes na guerra civil de Espanha, passando sobre excursos desenvolvidos sobre Kierkegaard em Diário de um Sedutor, ou sobre as diversas figurações donjuanescas ou ainda sobre os malefícios de um envolvimento obsidiante em qualquer tese de doutoramento, o leitor confronta-se nesta obra com um deleitoso manual de cultura.
Da temática da obra releva-se o tema fulcral, que é o donjuanismo, nas suas múltiplas representações, no masculino e no feminino. Derivados deste tema achamos outros, como o da violência física e /ou psicológica, o masoquismo e o medo. Um outro tema também abordado e que tem uma particular importância nas sociedades actuais é o da tirania exercida pelos filhos sobre os seus progenitores e a morte de um conjunto de valores antigos em que prevalecia um distanciamento reverente entre a geração mais nova e a mais velha, com os malefícios que tal pode aportar.
Toda a narrativa assenta num dualismo: eixo do bem versus eixo do mal. Esta visão é-nos transmitida não só através das personagens, que numa estrutura actancial se designariam por adjuvantes e oponentes, mas também pelos juízos críticos do narrador, favoráveis e elogiosos (em geral) para uma banda e depreciativos para a outra. Sendo certo que a bondade e a perversidade podem habitar o mesmo sujeito (real), esta dualidade, apenas esbatida pontualmente (por exemplo na personagem Manaças, que apesar de portador de um sem número de defeitos possuía a virtude de amar a mãe), poderá parecer exagerada, mas ela faz parte de uma intenção autoral, pedagógica ou outra, cabendo aos sucessivos leitores  o seu desvendamento.
O tema do donjuanismo, que no fundo é uma das múltiplas expressões do mal, envolve activamente as personagens Amaro, Lúcia, Sara, Luís, Joana e Manaças, é largamente teorizado e explicitado pela personagem Manuela, pois a sua tese de doutoramento incidiu sobre SØren Kierkegaard: “Retórica Amorosa de Don Juan: Sombras de Sedução”. Amaro, o Don Juan masculino, é uma verdadeira alegoria do mal. Ele encarna o pior dos modelos de Don Juan a que se junta uma enorme dose de psicopatia consubstanciada nos vários crimes que cometeu. Socialmente é reificado porque ele personifica a contradição entre o parecer e o ser. Pisou uma linha vermelha e perdeu o controlo da situação. É uma personagem de cariz trágico, tal como Joana – o modelo de Don Juan no feminino. Outra personagem do eixo do mal é Manaças que acaba vitimado. Sara e Luís são apresentados ao leitor no início da narrativa como personalidades enfraquecidas pelo torpor venenoso da aranha masoquista que a perversidade dos respectivos companheiros criou neles. Conseguem, porém, com a adjuvância da “deusa-mãe” Lúcia, perder o medo e desintoxicar-se do masoquismo. São personagens que têm uma grande evolução psicológica. Lúcia, que como já se referiu, cobre com o seu manto protector as vítimas do mal, experienciou ela própria o aviltamento de Amaro. Sabemo-lo através de analepse, já em fase adiantada da narrativa. Direccionou a sua existência, paralelamente com o seu crescimento intelectual e profissional, para objectivos de cariz humanitário e focalizou, ocultamente, especial atenção nas manobras maquiavélicas de Amaro, prevendo e evitando a pior das tragédias. Verte na sobrinha, Manuela, o sentimento maternal que a filha, Joana rejeita por ser narcisista, complexada e prepotente. Na luta contra o “canibalismo” que a filha lhe fazia prevaleceu a sua auto-estima é, por isso, uma personagem paradigmática.
O efeito de real assume nesta obra uma particular importância. A diegese está muito alicerçada no real. O reconhecimento por parte dos leitores de referentes empíricos espaciais, nos quais tropeça a cada passo na narrativa, são-lhe familiares e podem despertar-lhe múltiplas sensações e emoções. O mesmo se pode dizer para os referentes indivíduos, como por exemplo, as reiteradas referências ao panteão docente da Faculdade de Letras de Lisboa. Estes efeitos de real, se por um lado prefiguram uma intenção da autora de exaltação de espaços, ambientes e indivíduos que lhe merecem simpatia, estima ou admiração, imortalizando-os através da escrita, num grandioso fresco da narrativa, por outro, prendem-se com a ideologia da mesma autora, que  criando verosimilhança, aspira a mais facilmente fazer passar a sua mensagem de denúncia do mal – o donjuanismo e seus satélites – e de fazer a apologia do bem, ainda que para este ser alcançável haja que se passar por um processo alquímico de expurgação. A contaminação entre o real empírico e a ficção é notória em toda a obra, como se referiu, mas como seria se personagens desta ficção invadissem, por exemplo, registos factuais (ou não?) como a história amorosa de D. Francisco Manuel de Melo?
A intriga, tem o seu clímax na cena luxuriosa em casa de Amaro e em que os requintes de perversidade deste vão ao cúmulo de violar o próprio filho, o Manaças, e é, como já se referiu, emocionante. Ter-se-á inspirado nos cânones do folhetim em moda no séc. XIX, “pingados a conta-gotas” na imprensa escrita e deixando os leitores em suspenso até à publicação seguinte. O modelo continua a fazer sucesso hodiernamente através do “famigerado” facebook , criatividade que cumpre homenagear.
Realça-se ainda o levantar de duas grandes questões ontológicas e que são, a imutabilidade da natureza humana e a origem da maldade, genética ou não, as quais, não sendo profusamente desenvolvidas, deixam na mente do leitor o vírus da reflexão, o qual anda às vezes tão arredado da sua zona de conforto.
O léxico é de um modo geral muito cuidado, virtuoso mesmo, alternando com linguagem coloquial sem excessos, mas adequada a algumas personagens e situações. De referir também alguns regionalismos e arcaísmos que poderão surpreender o leitor mais cosmopolita e menos familiarizado com eles, como “figurão de alto coturno”, “Joãozinho de pacotilha”, “um azougue”. Da linguagem metafórica realça-se a beleza da imagística  “A jovem mulher começava a deitar raízes na sua vida”, “deram ordem de despejo ao amor dos pais”, “empequenecer…”.
Muito falta dizer sobre a obra em apreço. Aqui ficam registados apenas alguns dos muitos pontos de interesse pois a exaustão nunca poderia figurar nos propósitos desta exposição. Muito mais se discorrerá e escreverá ainda sobre a obra, augura-se, o que consolidará o seu indubitável valor literário.
Para finalizar deseja-se salientar o grande prazer resultante da leitura deste romance, A Mulher que Venceu Don Juan, de Teresa Martins Marques, (estreia auspiciosa da autora no género) na sua dupla função lúdica e pedagógica e que é integralmente cumprida. Termina-se citando, a propósito, Lêdo Ivo “A leitura há-de ser sempre uma ética. Incumbe-lhe ensinar o homem a respirar o universo” .

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014

Maria Carlos Lino de Sena Aldeia


Nota curricular:
       Maria Carlos Lino Gonçalves de Sena Aldeia
       Nascida a 22 de Maio de 1948
       Natural de Luanda – Angola
       Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, Variante de Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
       Frequentou vários  cursos como o de “História da Colonização Portuguesa no Brasil”, na Universidade Aberta; o curso de Cultura Portuguesa na Escola Superior de Educação Almeida Garrett  e outros cursos e seminários na Faculdade de Letras de Lisboa no âmbito da Literatura, da Cultura ou da Filosofia.
       Leccionou Francês na Junta de Freguesia de S. Domingos de Benfica.
      Escreve ocasionalmente artigos sobre Literatura no Jornal As Artes Entre As Letras, do Porto.
       Colabora em acções de carácter cultural com a ANAC- Associação Nacional de Aposentados da Caixa Geral de Depósitos e com a Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde.
      É aposentada da Administração Pública, tendo exercido o cargo de Chefe de Divisão, no Ministério das Finanças. Exerceu funções de chefia na área da biblioteca e da formação profissional e técnicas na área da gestão de imóveis do Estado.

21/06/2014

Peça de Teatro "Inesquecível Emília", Associação PELE, A Assembleia da República e "A Mulher que Venceu Don Juan"


  Quem mal anda, mal acaba. Joana iria ser presente ao juiz e depois  encaminhada para o  Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos.  Tentando amenizar o choque, Paulo explicou a Lúcia que  Santa Cruz do Bispo era a mais moderna prisão portuguesa, inaugurada em 2005, gerida em parceria com a Santa Casa da Misericórdia do Porto.  Dentro  das circunstâncias, era o melhor que poderia calhar à Joana.  Tinha salas de aulas, ateliers de formação profissional, pavilhão polidesportivo, biblioteca, cabeleireiro e até um gabinete de estética e um supermercado. Lúcia interrompeu-o e disse, irónica, para abafar o sofrimento:
−  Hotel de cinco estrelas, queres tu dizer…
−  Pelo menos de quatro estrelas, olha que  parece.  E até  a creche para os filhos das reclusas faz inveja a muitos infantários por aí.  Para não falar dos projectos de ressocialização pelas artes, teatro, dança…
−  E que mais querem as presas? É caso para perguntar − dizia Lúcia, sem conseguir  disfarçar a mágoa.
−  Pelo menos,  tenta-se que não saiam de lá piores do que entraram. Ainda há pouco  fizeram uma coisa inédita. Depois de uma sessão plenária, foram à sala do Senado da Assembleia da República e representaram uma peça de teatro  − Inesquecível Emília.
− Estás a brincar!
−  Não estou nada a brincar. Veio  nos jornais e as reclusas até foram entrevistadas na TSF. O espectáculo foi construído por elas  a partir de uma carta escrita por um preso em 1914, tudo enquadrado num projecto europeu −  o PETTA−  inserido no Programa Leonardo Da Vinci.
− Como assim? − disse Lúcia, admirada.
− Ai tu julgas que só em Lisboa é que se fazem coisas ? – respondeu a rir.
− Está bem, está, tudo isso há-de interessar imenso à Joana. Talvez o gabinete de estética… 
Paulo via a angústia desta  mulher em cada palavra e ainda assim tentava  disfarçá-la com ironia.
Passou-lhe o braço pelo ombro :
− Não merecias isto,  minha amiga. Não merecias, não.
Lúcia encostou o rosto ao braço dele e  não  conteve as lágrimas.
Recompôs-se para atender o telemóvel. Era Francisco, muito preocupado, que lhe dizia que, se ela não pudesse regressar já a Lisboa, iria ter com ela ao Porto.
− Vem, sim, que estou a  precisar muito de ti.
Ela sabia bem que em certos momentos da vida assumir a fraqueza é  a prova máxima de força.

Extracto do livro "A Mulher que Venceu Don Juan"
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Peça de Teatro "Inesquecível Emília"
Sala do Senado, dia 12 de julho, após Sessão Plenária
 
A Assembleia da República e a Associação PELE promovem a apresentação da peça de teatro “Inesquecível Emília”. Este espetáculo é protagonizado por reclusas do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo.

Entrada livre, limitada à capacidade da sala.





Reportagem TSF: "Ala Feminina" (com vídeos)

Como é o quotidiano das mulheres na prisão? Lá elas são mães, vaidosas, apaixonadas, mas também segregadas. Lutam por direitos fundamentais, lêem e escrevem cartas. É um universo pouco conhecido pelo público em geral e muitas vezes estereotipado. A TSF passou mais de um ano a ouvir histórias do cárcere no feminino. Do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo a Tires, desfiamos desabafos, mas também o despertar de novas vidas e motivações até à aurora da liberdade.

Entrevista áudio TSF (06/06/2013):

http://www.tsf.pt/paginainicial/AudioeVideo.aspx?content_id=3259596



19/06/2014

Julieta Monginho, o Atrium Saldanha e a Mulher que venceu Don Juan.

...Desceram a íngreme escada rolante...
Voltaram ao Saldanha, entraram no Atrium e subiram à Livraria Almedina, no 1º andar. Luís deu uma volta para a direita e Sara virou no corredor à esquerda. Encontraram-se, daí a minutos, na Caixa. Luís pagou e disse-lhe:
– Aqui tem o livro de que lhe falei. Ofereço-lho. É o primeiro presente que lhe dou – e sorriu.
Sara abriu o saco. A autora – Julieta Monginho. O título – Metade Maior, editado pela Editorial Estampa.
– Que bela capa – disse Sara. – Estas cores fortes com esta criança de olhos escondidos pelo braço. Que imagem tão curiosa…
– É um livro cativante. Vai encontrar aqui uma “Loja da Felicidade”…
– Não me diga! Obrigada, Luís, muito obrigada.
...O título - Metade Maior...
Abre-o, lê a primeira frase:
“O homem sobe os quatro lanços devagar, apreciando o encerado dos degraus.”
Sara não sabe que esse homem é um estranho assassino e a frase lembra-lhe os degraus da escada da casa que acabavam de visitar. O livro transmite-lhe um agradável efeito de real. Fecha-o, olha para Luís e não resistiu a abri-lo outra vez. O acaso levou-a à página 22 e ao sugestivo título «Não é fácil o Amor».
Luís sorriu:
...diante da loja...
– Pois não…
Desceram a íngreme escada rolante, ouvia-se um piano em fundo. Curioso, este centro comercial, onde se toca piano − diz Sara. Passavam naquele momento diante da loja «Perfumes & Companhia». Luís sabia que era aí que Joana trabalhava. Deitou um olhar rápido e não a viu. Secretamente desejava que ela o visse acompanhado de Sara. Era uma forma de se vingar, provocando-a. Mas a vingança é ainda a paixão do avesso.

– Trabalha aqui a minha ex-mulher – não resistiu a dizer, não sabendo que ela já tinha sido despedida.

Extracto do livro "A Mulher que Venceu Don Juan"

 Sobre a Autora: JULIETA MONGINHO 

Julieta Monginho (Lisboa, 1958) escritora e Magistrada do Ministério Público.
Licenciou-se em Direito, tendo frequentado o Centro de Estudos Judiciários em 1983 e foi magistrada em Montemor-o-Novo entre 1985 e 1988; em Torres Vedras entre 1988 e 1990; em Sintra entre 1990 e 1994, e em Cascais entre 1994 e 1998. Entre 1998 e 2000, foi assessora no Supremo Tribunal de Justiça. Na actualidade, é Procuradora da República no Tribunal de Família e Menores de Lisboa.
Obras
  A paixão segundo os infiéis (1998)
  À tua espera (2000)
 Dicionário dos livros sensíveis (2000)     
 Onde está J.? : diário (2002)
 A árvore no meio da sala (2003) (co-autora)
 A construção da noite (2005)
 A terceira mãe (2008)
 António, Maria (2010)
 Metade maior (2012)

Prémios
Máxima de Literatura 2000, com À tua espera; Grande Prémio de Romance e Novela APE/IPLB 2008, com A Terceira Mãe.

Fonte: http://www.rtp.pt/icmblogs/rtp/comunidades/?k=Conselhos-aos-Leitores-de-A-Mulher-que-venceu-Don-Juan-de-Teresa-Martins-Marques----JULIETA-MONGINHO.rtp&post=46739


18/06/2014

FUNDO TEÓRICO DE «A MULHER QUE VENCEU DON JUAN»

A Mulher que Venceu Don Juan insere-se numa longuíssima série que tomou por tema o mito de Don Juan, cujo marco inicial se considera El Burlador de Sevilla Y Convidado de Piedra (1630), de Tirso de Molina. Segundo Jean Rousset, um dos grandes estudiosos do donjuanismo, Don Juan é e não é um mito. Em primeiro lugar os mitos não têm autor, conforme nos ensinou Lévy-Strauss. Os mitos vivem de uma longa história oral, ou seja na tradição anónima, ao contrário desta figura de que se conhece perfeitamente a paternidade literária. Todavia, a história de Don Juan rapidamente se autonomizou, relativamente ao texto fundador,  e tem vindo a passar de obra em obra, como se pertencesse a todos e a ninguém. Nesta característica reconhecemos um traço do mito, isto é o anonimato ligado à sua capacidade de persistir no inconsciente colectivo, mito sempre pronto a ressurgir e a sofrer alterações que lhe conferem plasticidade. [1] Sabemos bem do que falamos quando falamos de Don Juan, porém ele assume aspectos muito diversos  ao longo da História Literária.  Alguns dos nomes fundamentais que ficariam ligados a este mito serão: Don Juan ou Le Festin de Pierre (1665), de Molière; Don Juan Tenório, Osia il Dissoluto (1736) de Goldoni; Les Liaisons Dangereuses (1782) de Laclos; Don Giovanni (1787) de Mozart / Da Ponte; Don Juan (1819-1824) de Lord Byron; Don Juan Tenorio (1844) de Zorrilla; O poema de Baudelaire «Don Juan aux enfers» (Les Fleurs du Mal - 1857); Man and Superman (1903) de George Bernard Shaw; Les Exploits d’un Jeune Don Juan (1911) de Guillaume Apolinnaire; La dernière Nuit de Don Juan (1921) poema dramático de Edmond Rostand; Supplément à Don Juan (1831) de Colette; Le Mythe de Sisyphe (1942) de Camus; Don Juan ou la Mort Qui Fait le Trottoir (1958) de Henry de Montherlant; Terra Nostra (1975) de Carlos Fuentes.
Alguns, entre os portugueses: A Ondina do Lago (1864) de Teófilo Braga; A Morte de D. João (1874) de Guerra Junqueiro; O Último D. João de Guilherme de Azevedo (poesia-1874); o poema «A Última fase da vida de D. Juan» de Gomes Leal, inserto em Claridades do Sul (1875), O poema «D. João» (1906) de Silva Gaio; A Alma de D. João (1918) de Rui Chianca; poema «D. João» (1920) de João de Barros. A fábula trágica D. João e a Máscara (1924) de António Patrício (a obra-prima portuguesa dentro desta temática); a peça D. João Tenório (1920) de Júlio Dantas; O Castigo de D. João (1948) de Urbano da Palma Rodrigues; Um Amor Feliz (1986) de David Mourão-Ferreira; O Conquistador (1990) de Almeida Faria. Outros poderíamos ainda referir, mas para não alongar mais a lista cito, por último, um João de Távora, que encontramos em Partes de África (1991) de Helder Macedo.
 A Mulher que Venceu Don Juan trata o tema não apenas descrevendo o comportamento donjuanesco ao nível da acção, mas indagando e mostrando algumas causas desse comportamento, assumindo, por esta forma, uma vertente de análise psicológica e filosófica, focando a psicopatia, o narcisismo, a homofobia, que existem na raiz do comportamento  donjuanesco,  e baseando-a  numa componente ensaísta  através da qual se intercalam textos do Diário do Sedutor de Kierkegaard. Aceita-se hoje que o donjuanismo pode apresentar-se como camuflagem de homossexualidade recalcada. Tratando-se de uma questão muito complexa, e querendo discuti-la teoricamente dentro do entrecho ficcional, coloquei uma jovem doutoranda a preparar uma tese sobre o Diário do Sedutor de Kierkegaard, que fecha  Enter-Eller (1844), obra na qual Don Juan faz a sua entrada no universo da filosofia.
A peça de caça tem interesse enquanto está viva e pode eventualmente fugir. Logo que é caçada, o objectivo foi atingido, atira-se morta para o lado, ou empalha-se como troféu e passa-se a nova presa. Mas há uma particularidade muito interessante na última frase do discurso do sedutor:  “Se eu fosse um deus, faria com ela o que Neptuno fez com a ninfa: transformava-a em homem”.
A  ninfa a que se alude é Cénis, que foi transformada por Posídon em Ceneu, o homem por quem ela se tinha apaixonado.  Este desejo expresso pelo sedutor de mudar o sexo da amada, em processo fusional de assimilação, é bem significativo do recôndito desejo do sedutor. Através do coleccionismo o sedutor, mais não faz do que camuflar a sua insatisfação de que a  mulher  não possa ser transformada em  homem, como a ninfa Cénis. O verdadeiro objecto do desejo é outro homem: o  namorado da jovem seduzida, sendo ela a ponte entre ambos. Esta a razão pela qual o sedutor só deseja jovens comprometidas com outro homem, o namorado.
Heterossexual compulsivo, Don Juan acumularia aventuras para se afastar do objecto do seu desejo: outro homem.  Seduzindo a mulher de outro,  Don Juan estaria inconscientemente a relacionar-se com o marido / namorado, motivo maior de seu prazer, sendo a seduzida a ponte entre eles conforme assinala  Sandór Ferenczi  que publica,  em 1922, Le Symbolisme do Pont et la Légende de Don Juan,  metaforizando fantasmas edipianos e homossexuais: Entre Don Juan que passa na margem esquerda do rio com um cigarro apagado na boca e o diabo que fuma na margem direita, faz-se uma ponte sobre a água negra, que vai permitir acender o cigarro de Don Juan. Edipianismo, homossexualidade latente seriam as linhas de força do mito, visto da perspectiva de Ferenczi. Ainda na mesma linha, a  disputa com outros homens-ponte fará dizer ao Don Juan de Carlos Fuentes : "Nenhuma mulher me interessa se não tiver um amante, marido, confessor ou Deus, ao qual pertença ...".
O médico espanhol Gregório Marañon, na obra Don Juan, Ensayo sobre la Leyenda, de 1940, considera D. Juan um personagem escassamente viril, indo contra a ideia popular e até erudita que a ele se associa, como lemos em Urbano Tavares Rodrigues.[2] Para Urbano “ o donjuanismo radica num pletora do instinto sexual ou numa limitada avidez de absoluto.”
Estes textos  teóricos aparecem no meu romance como  espelhos  da intriga ficcional, através do subterfúgio de uma tese de doutoramento  que  a personagem Manuela prepara e defende sobre este mesmo tema.
Teresa Martins Marques

[1] Jean Rousset, Le Mithe de Don Juan, Paris, Armand Colin, 1976, pp.6-7.

[2] Urbano Tavares Rodrigues, O Mito de D. Juan e o Donjuanismo em Portugal, Lisboa, Ática, 1960.  Assina o verbete sobre esta temática na Enciclopédia Biblos (vol 2, 1997).  

11/06/2014

Luísa Marinho Antunes - Para vencer Don Juan, uma narrativa de sedução e reconstrução


 Imagine-se o trabalho do autor do folhetim do século XIX, o ter de prender o leitor ao seu texto, cativá-lo, fideliza-lo, de forma a fazê-lo seguir semana após semana, ou mês após mês, a trama da sua novela ou romance. Imagine-se o escritor a esperar que nas várias casas as meninas, mais os seus pais, as mães, os jovens cavalheiros e mais as senhoras da copa e as criadas de dentro e de fora tenham os corações a bater de entusiasmo, porque chega o jornal ou a revista com os sonhados capítulos. E, depois, quando as páginas chegarem ao fim, o autor imagina-os a suspirar de curiosidade pelo que se seguirá e que ainda está na sua pena. Ágil, realista, rica de eventos, plena da emoção, das misérias e das grandezas da condição humana, a narrativa era pensada na relação próxima com o leitor, numa ligação de sedução, de cumplicidade e de mútuo incentivo estabelecida entre o escritor e o seu público. O leitor sentia como suas as palavras que lhe chegavam desse autor que teimava em lhe falar, como um vizinho de casa, ou de coração. Teresa Martins Marques optou, antes da publicação em livro do romance A Mulher que Venceu Don Juan, pela sua edição em capítulos no Facebook, recorrendo e reinventando as técnicas do folhetim à nova realidade, mas produzindo o mesmo efeito de outrora nos leitores que a seguiam – a curiosidade pelo próximo capítulo, a alegria de ver chegar um novo, o sentir-se preso a um fio de uma história que passa a viver connosco, como se as personagens andassem lá por casa, os ambientes se interseccionassem, real e imaginário unidos. Um efeito que me faz vir à mente a ideia do oblíquo, o de Fernando Pessoa quando olhava cair a chuva.

10/06/2014

ISABEL CRISTINA RODRIGUES - ...Quanto aos Don Juans...


COMENTÁRIO DA PROFª ISABEL CRISTINA RODRIGUES
(Universidade de Aveiro)
ao romance A MULHER QUE VENCEU DON JUAN (Âncora Editora, 2013)
Olá, Teresa. Queria dizer-lhe que acabei ontem de ler o seu livro, de que tanto gostei. Não é, como nunca seria um livro seu, um texto a mostrar que é escrito por alguém que sabe escrever, coisa que não faz nunca quem sabe de facto fazê-lo. E em tudo o resto a Teresa põe o dedo na ferida, com a precisão de um bisturi e a amplitude de uma cultura que não permite a concessão ao lugar comum, o que, dado o tema, seria uma quase fatalidade em mãos menos hábeis e calejadas. 
Há páginas e diálogos irrepetíveis e ri a bom rir com a imagem do Manaças a tanguear em Buenos Aires, sob o olhar irónico da Maria Eunice. Quase pude ouvir a voz dela, com o seu sotaque gaúcho sempre afiado pelo gume certeiro da ironia. Quanto aos Don Juans, a não ser que sejam psicopatas perdidos como a ricura do Amaro, é deixá-los à mercê do seu próprio veneno e da sua pouquidão. Conheço alguns e à vista está a pequena miséria que os vai corroendo - a solidão e a consciência dessa mesma solidão.
Beijos grandes e gratos da Isabel.


NOTA BIOBIBLIOGRÁFICA

Isabel Cristina Rodrigues nasceu em Coimbra (Portugal) em 1967 e é docente da Universidade de Aveiro desde 1991, onde se doutorou, em 2006, com uma dissertação sobre a obra de Vergílio Ferreira, intitulada A Palavra Submersa. Silêncio e Produção de Sentido em Vergílio Ferreira, a publicar proximamente pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Tem diversos ensaios publicados em revistas portuguesas e estrangeiras e ainda dois outros livros sobre Vergílio Ferreira (A poética do romance em Vergílio Ferreira (Colibri, 2001) e A vocação do lume. Ensaios sobre Vergílio Ferreira (Angelus Novus, 2009)), desenvolvendo presentemente a sua docência e investigação no âmbito da Teoria da Literatura e da Literatura Portuguesa Contemporânea.
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Isabel Cristina Rodrigues é professora na Universidade de Aveiro. Na sequência de uma já longa dedicação à obra de Vergílio Ferreira, acaba de editar, na Angelus Novus, o volume ensaístico A Vocação do Lume. Publicaremos, a partir deste post inicial, uma entrevista que a autora nos concedeu sobre o seu livro.
Pode apresentar este livro aos leitores? De que consta, de facto?

06/06/2014

Miguel Real - AMOR E LUXÚRIA O 1º ROMANCE PORTUGUÊS CRIADO NO FACEBOOK

Teresa Martins Marques, conhecida professora e investigadora da Faculdade de Letras de Lisboa, lançou este Natal o seu primeiro romance, A Mulher que venceu D. Juan (Âncora Editora). Uma verdadeira surpresa para quem não navega nas ondas cibernéticas e uma comprovação em  papel  para quem seguiu a construção semanal, entre 2012 e 2013, deste romance no Facebook, partilhado por inúmeros "amigos" da autora. Eis que o que se alojava no espaço virtual passou, como nova versão, ao espaço real das livrarias de todo o país, para gáudio dos leitores menos informaticamente voluntariosos.
Literariamente, Teresa Martins Marques deu que falar pela primeira vez em 1989 quando venceu o Prémio de Ensaio José Régio com o manuscrito O Eu em Régio: a Dicotomia de Logos e Eros, seguido, em 1993, com a publicação na Estampa de um livro ainda hoje de consulta obrigatória, O Imaginário de Lisboa na Ficção Narrativa de José Rodrigues Miguéis. Depois, para além de outros ensaios literários, a autora foi responsável pela edição das Obras Completas (13 volumes) de José Rodrigues Miguéis (1994 - 1996) e pelo tratamento do espólio de David Mourão-Ferreira, entre 1997 e 2004, sobre o qual redigiu a sua tese de doutoramento.
Sob o envolvimento da violência doméstica - tema candente em Portugal -, A Mulher que venceu D. Juan aborda a relação entre o Amor e a Luxúria, amor como devoção e cuidado com os outros, e luxúria como utilização instrumental do corpo alheio para prazer lúbrico e sensual próprio; amor como sentimento propiciador da libertação do que de melhor se esconde na personalidade do outro, e luxúria como exaltação de narcisismo e egotismo próprio, expressão de traumas de infância.
Como boa romancista, Teresa Martins Marques envolveu as duas ideias de Amor e Luxúria numa teia social escandalosa real - a violência doméstica -, fazendo-as encarnar em personagens verosímeis e realistas. Neste último sentido, pode dizer-se ser A Mulher que venceu D. Juan um romance de personagens presas numa luta violenta e titânica entre o Bem e o Mal, aquele representado pelas forças do Amor e este pelas pulsões da Luxúria.
Estudiosa de Literatura, a autora circunda a intriga de um aparato literário e filosófico harmónico com o itinerário diegético das personagens e o desenvolvimento da acção, localizando esta, em parte na Faculdade de Letras de Lisboa (Luís, Manaças, Manuela, posteriormente Sara), perfazendo, num efeito de real, inúmeras referências a professoras desta instituição de ensino; em parte, no Porto, na clínica de operações estéticas de Amaro Fróis, e, finalmente, na residência na Costa da Caparica da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), onde, sob nome falso e protecção da psicóloga Dra. Lúcia, se alojam as mulheres violentadas pelos maridos ou companheiros. Por interceção do comissário Paulo, da Polícia do Porto, para a residência da APV vem Sara, senhora fina da Foz, após cúmulo de violentação física por parte do marido, Amaro, que recusa a gravidez da mulher. Na sua nova vida, Sara recebe o nome falso de "Esmeralda".
Uma das perfeições do romance, expressão da mestria da autora, reside na ostentação de personagens não puras ou virtuosas. Todas as personagens possuem "defeitos", todas tiveram, voluntária ou involuntariamente, ao longo da vida, as "mãos sujas", a maioria por via de traumas psicanalíticos sucedidos na infância, cujas consequências psicológicas tortuosas se revelam na fase existencial de maturidade. Neste sentido, é notável a caracterização individual e social das personagens, sobretudo por se tratar de um primeiro romance.
Escrito no Facebok sob o modelo literário do "folhetim", a forma estrutural de A Mulher que venceu D. Juan ressente-se desta opção estética oitocentista, de origem francesa, praticada de um modo excelente por Camilo. Tal como nas novelas deste autor, assim o romance de Teresa Martins Marques é constituído por pequenos capítulos (35 em cerca de 330 pp.), conferindo grande relevo tanto ao suspense entre os capítulos, de modo a suscitar o entusiasmo do leitor, quanto à constituição de uma trama que vincula a totalidade das personagens, não existindo, assim, personagens artificiais, sem utilidade visível no todo da estrutura que os envolve e prende.
A alusão a "figuras verídicas" (desde Eduardo Lourenço a Amadeu Ferreira, passando pelos professoras e professores da Faculdade de Letras de Lisboa, desde o casal tavirense Rui Soares e Marinela, da Associação Internacional de Paremiologia, ao casal lisboeta Ana e Simeon...) e as contínuas citações e referências eruditas constituem uma opção estética da autora, que assim, sob o efeito do real, como referimos, presta coesão ao desenvolvimento da acção e à caracterização das personagens. As contínuas citações e referências eruditas, porém, não ocultam, antes patenteiam, algum didactismo que, por vezes, fende o todo estético do romance. Como se sabe e como Camilo o pratica de um modo excelso, no romance, ao contrário do ensaio, a sugestão é superior à explicação e o apontar, o simples mostrar, superior à explanação justificativa ou à demonstração.
Tendo como pano de fundo a violência doméstica, A Mulher que venceu D. Juan estrutura-se em torno de três personagens desequilibradas, estatuídas, a nível literário, segundo a tradição D. Juanesca: o cirurgião plástico Amaro Fróis, personalidade ostentativa, economicamente abastada por via da fortuna da família da esposa, Sara, manipulador de mulheres, homem violentíssimo, fruidor de prazer próprio por via da humilhação do parceiro sexual; Manaças, personalidade incompleta, nunca cumpridora do que promete, professor rejeitado da Faculdade de Letras de Lisboa por incumprimento de prazos no doutoramento; e Joana, filha da Dra. Lúcia, de personalidade desestruturada e comportamento promíscuo.
Evitando revelar o enredo, que, como o filhetinismo obriga, vive de contínuas peripécias, de sobressaltos inesperados e da revelação de imprevistos e imprevisíveis segredos familiares, aos três "d. Juans" opõem-se, respectivamente, a Sara/Esmeralda, Luís, alcoólico mas devoto estudioso, professor da faculdade, esperando da vida uma oportunidade de purificação para  retomar o caminho certo, oportunidade que lhe é concedida quando conhece Sara/Esmeralda, e, finalmente a Dra. Lúcia, psicóloga, mentora e alma da APAV, mãe de Joana, que, no final, um final arrebatador e comovente, conhece definitivamente quem é o pai de Joana. Sobre todas as personagens, Manuela, doutorada Faculdade de Letras de Lisboa, privilegiada da Dr. Lúcia, esclarece, por via da análise da obra do filósofo dinamarquês S. Kierkegaard,  a teoria do amor.
Ao leitor caberá dar conteúdo ao título do romance, escolhendo Sara ou Dra. Lúcia para "a mulher que venceu D. Juan". Nós optámos por Sara, mas também é possível heroificar a acção voluntária da Dra. Lúcia como a mulher que vence todos os D. Juan.
Romance empolgante, de leitura sedutora, harmonizando o português coloquial com um vocabulário erudito e académico, racionalmente labiríntico na urdidura da teia relacional entre as personagens, realista no desenho e denunciador da violência doméstica na finalidade, A Mulher que venceu D. Juan é, indubitavelmente, uma estreia literária muito, fortemente promissora. Aguardamos com expectativa um novo romance de Teresa Martins Marques.

      Teresa Martins Marques,  A Mulher que Venceu Don Juan.

     Lisboa, Âncora Editora, 2013 (326 p. )

MIGUEL REAL
(Texto publicado no Portal da Literatura)
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Miguel Real

Escritor português, ensaísta e professor de filosofia Miguel Real, pseudónimo de Luís Martins, nascido em 1953, conquistou em 2006 o Prémio Literário Fernando Namora com o romance A Voz da Terra.
Miguel Real fez a licenciatura em Filosofia na Universidade de Lisboa e, mais tarde, um mestrado em Estudos Portugueses, na Universidade Aberta, com uma tese sobre Eduardo Lourenço.
Estreou-se no romance, em 1979, com O Outro e o Mesmo, com o qual viria a ganhar o Prémio Revelação de Ficção da APE/IPLB. Em 1995, voltou a ser distinguido com um Prémio Revelação APE/IPLB, desta vez na área de Ensaio Literário, graças à obra Portugal - Ser e Representação. Outra distinção importante surgiu em 2000, o Prémio LER/Círculo de Leitores, com o ensaio A Visão de Túndalo por Eça de Queirós.
Em 2001, recebeu uma bolsa do programa Criar Lusofonia, do Centro Nacional de Cultura, que lhe permitiu percorrer o itinerário do Padre António Vieira pelo Brasil. A esse propósito escreveu um diário, editado em 2004, intitulado Atlântico, a Viagem e os Escravos.
A partir de 2003, com a novela Memórias de Branca Dias, passou a escrever simultaneamente um ensaio e um romance para evitar incluir teoria (filosófica, principalmente) na ficção.
Em 2005, Miguel Real lançou o romance histórico A Voz da Terra, cuja a ação decorre na época do terramoto de 1755, que viria a ter grande reconhecimento por parte da crítica e do público. A Voz da Terra proporcionou ao autor a conquista da edição de 2006 do Prémio Literário Fernando Namora, um dos mais prestigiantes galardões literários a nível nacional.
Simultaneamente ao romance A Voz da Terra foi publicado o ensaio O Marquês de Pombal e a Cultura Portuguesa, situado na mesma época.
Já em finais de 2006 foi lançado o romance O Último Negreiro, sobre o traficante de escravos Francisco de Félix de Sousa, que viveu em São Salvador da Baía e Ajudá, no Benim.
Paralelamente ao romance e ao ensaio, Miguel Real dedicou-se, regularmente, à escrita de manuais escolares e de adaptações de teatro, estas em colaboração com Filomena Oliveira.
Começou a colaborar regularmente no jornal literário Jornal de Letras a partir de 2000.
ver definição de romance...
  
Como referenciar este artigo:
Miguel Real. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-06-06].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$miguel-real>.

«Três Graças» de Antonio Canova

Numa tentativa de recontruir o "decor" e ambiente onde coabitam personagens reais e fícticias,começamos a ilustrar com imagens reais (ruas,prais,monumentos,localidades,quadros,restaurantes...)que vão surgindo neste novo espaço.
L.B.
... Chegámos ao Paradiso, a vivenda cor-de-rosa, agora Clínica, que conservava a cor do tempo da tia Eufrosina. No  átrio, ao fundo da larga escadaria de madeira, lá estava a reprodução das «Três Graças» de Antonio Canova, por cujo original a tia se apaixonara ao vê-lo no 1º andar do Hermitage...


Antonio Canova (Possagno, 1 de novembro de 1757 — Veneza, 13 de outubro de 1822) foi um desenhista,pintor, antiquário e arquiteto italiano, mas é mais lembrado como escultor, desenvolvendo uma carreira longa e produtiva. Seu estilo foi fortemente inspirado na arte da Grécia Antiga. Suas obras foram comparadas por seus contemporâneos com a melhor produção da Antiguidade, e foi tido como o maior escultor europeu desdeBernini, sendo celebrado por toda parte. Sua contribuição para a consolidação da arte neoclássica só se compara à do teórico Johann Joachim Winckelmann e à do pintor Jacques-Louis David, mas não foi insensível à influência do Romantismo. Não teve discípulos regulares, mas influenciou a escultura de toda a Europa em sua geração, atraindo inclusive artistas dos Estados Unidos, permanecendo como uma referência ao longo de todo o século XIX especialmente entre os escultores do Academismo. Com a ascensão da estética modernista caiu no esquecimento, mas sua posição prestigiosa foi restabelecida a partir de meados do século XX. Também manteve um continuado interesse na pesquisa arqueológica, foi um colecionador de antiguidades e esforçou-se por evitar que o acervo de arte italiana, antiga ou moderna, fosse disperso por outras coleções do mundo. Considerado por seus contemporâneos um modelo tanto de excelência artística como de conduta pessoal, desenvolveu importante atividade beneficente e de apoio aos jovens artistas. Foi Diretor da Accademia di San Luca em Roma e Inspetor-Geral de Antiguidades e Belas Artes dos estados papais, recebeu diversas condecorações e foi nobilitado pelo papa Pio VII com a outorga do título de Marquês de Ischiacontemporâneos com a melhor produção da Antiguidade, e foi tido como o maior escultor europeu desdeBernini, sendo celebrado por toda parte. Sua contribuição para a consolidação da arte neoclássica só se compara à do teórico Johann Joachim Winckelmann e à do pintor Jacques-Louis David, mas não foi insensível à influência do Romantismo. Não teve discípulos regulares, mas influenciou a escultura de toda a Europa em sua geração, atraindo inclusive artistas dos Estados Unidos, permanecendo como uma referência ao longo de todo o século XIX especialmente entre os escultores do Academismo. Com a ascensão da estética modernista caiu no esquecimento, mas sua posição prestigiosa foi restabelecida a partir de meados do século XX. Também manteve um continuado interesse na pesquisa arqueológica, foi um colecionador de antiguidades e esforçou-se por evitar que o acervo de arte italiana, antiga ou moderna, fosse disperso por outras coleções do mundo. Considerado por seus contemporâneos um modelo tanto de excelência artística como de conduta pessoal, desenvolveu importante atividade beneficente e de apoio aos jovens artistas. Foi Diretor da Accademia di San Luca em Roma e Inspetor-Geral de Antiguidades e Belas Artes dos estados papais, recebeu diversas condecorações e foi nobilitado pelo papa Pio VII com a outorga do título de Marquês de Ischia.