06/06/2014

Miguel Real - AMOR E LUXÚRIA O 1º ROMANCE PORTUGUÊS CRIADO NO FACEBOOK

Teresa Martins Marques, conhecida professora e investigadora da Faculdade de Letras de Lisboa, lançou este Natal o seu primeiro romance, A Mulher que venceu D. Juan (Âncora Editora). Uma verdadeira surpresa para quem não navega nas ondas cibernéticas e uma comprovação em  papel  para quem seguiu a construção semanal, entre 2012 e 2013, deste romance no Facebook, partilhado por inúmeros "amigos" da autora. Eis que o que se alojava no espaço virtual passou, como nova versão, ao espaço real das livrarias de todo o país, para gáudio dos leitores menos informaticamente voluntariosos.
Literariamente, Teresa Martins Marques deu que falar pela primeira vez em 1989 quando venceu o Prémio de Ensaio José Régio com o manuscrito O Eu em Régio: a Dicotomia de Logos e Eros, seguido, em 1993, com a publicação na Estampa de um livro ainda hoje de consulta obrigatória, O Imaginário de Lisboa na Ficção Narrativa de José Rodrigues Miguéis. Depois, para além de outros ensaios literários, a autora foi responsável pela edição das Obras Completas (13 volumes) de José Rodrigues Miguéis (1994 - 1996) e pelo tratamento do espólio de David Mourão-Ferreira, entre 1997 e 2004, sobre o qual redigiu a sua tese de doutoramento.
Sob o envolvimento da violência doméstica - tema candente em Portugal -, A Mulher que venceu D. Juan aborda a relação entre o Amor e a Luxúria, amor como devoção e cuidado com os outros, e luxúria como utilização instrumental do corpo alheio para prazer lúbrico e sensual próprio; amor como sentimento propiciador da libertação do que de melhor se esconde na personalidade do outro, e luxúria como exaltação de narcisismo e egotismo próprio, expressão de traumas de infância.
Como boa romancista, Teresa Martins Marques envolveu as duas ideias de Amor e Luxúria numa teia social escandalosa real - a violência doméstica -, fazendo-as encarnar em personagens verosímeis e realistas. Neste último sentido, pode dizer-se ser A Mulher que venceu D. Juan um romance de personagens presas numa luta violenta e titânica entre o Bem e o Mal, aquele representado pelas forças do Amor e este pelas pulsões da Luxúria.
Estudiosa de Literatura, a autora circunda a intriga de um aparato literário e filosófico harmónico com o itinerário diegético das personagens e o desenvolvimento da acção, localizando esta, em parte na Faculdade de Letras de Lisboa (Luís, Manaças, Manuela, posteriormente Sara), perfazendo, num efeito de real, inúmeras referências a professoras desta instituição de ensino; em parte, no Porto, na clínica de operações estéticas de Amaro Fróis, e, finalmente, na residência na Costa da Caparica da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), onde, sob nome falso e protecção da psicóloga Dra. Lúcia, se alojam as mulheres violentadas pelos maridos ou companheiros. Por interceção do comissário Paulo, da Polícia do Porto, para a residência da APV vem Sara, senhora fina da Foz, após cúmulo de violentação física por parte do marido, Amaro, que recusa a gravidez da mulher. Na sua nova vida, Sara recebe o nome falso de "Esmeralda".
Uma das perfeições do romance, expressão da mestria da autora, reside na ostentação de personagens não puras ou virtuosas. Todas as personagens possuem "defeitos", todas tiveram, voluntária ou involuntariamente, ao longo da vida, as "mãos sujas", a maioria por via de traumas psicanalíticos sucedidos na infância, cujas consequências psicológicas tortuosas se revelam na fase existencial de maturidade. Neste sentido, é notável a caracterização individual e social das personagens, sobretudo por se tratar de um primeiro romance.
Escrito no Facebok sob o modelo literário do "folhetim", a forma estrutural de A Mulher que venceu D. Juan ressente-se desta opção estética oitocentista, de origem francesa, praticada de um modo excelente por Camilo. Tal como nas novelas deste autor, assim o romance de Teresa Martins Marques é constituído por pequenos capítulos (35 em cerca de 330 pp.), conferindo grande relevo tanto ao suspense entre os capítulos, de modo a suscitar o entusiasmo do leitor, quanto à constituição de uma trama que vincula a totalidade das personagens, não existindo, assim, personagens artificiais, sem utilidade visível no todo da estrutura que os envolve e prende.
A alusão a "figuras verídicas" (desde Eduardo Lourenço a Amadeu Ferreira, passando pelos professoras e professores da Faculdade de Letras de Lisboa, desde o casal tavirense Rui Soares e Marinela, da Associação Internacional de Paremiologia, ao casal lisboeta Ana e Simeon...) e as contínuas citações e referências eruditas constituem uma opção estética da autora, que assim, sob o efeito do real, como referimos, presta coesão ao desenvolvimento da acção e à caracterização das personagens. As contínuas citações e referências eruditas, porém, não ocultam, antes patenteiam, algum didactismo que, por vezes, fende o todo estético do romance. Como se sabe e como Camilo o pratica de um modo excelso, no romance, ao contrário do ensaio, a sugestão é superior à explicação e o apontar, o simples mostrar, superior à explanação justificativa ou à demonstração.
Tendo como pano de fundo a violência doméstica, A Mulher que venceu D. Juan estrutura-se em torno de três personagens desequilibradas, estatuídas, a nível literário, segundo a tradição D. Juanesca: o cirurgião plástico Amaro Fróis, personalidade ostentativa, economicamente abastada por via da fortuna da família da esposa, Sara, manipulador de mulheres, homem violentíssimo, fruidor de prazer próprio por via da humilhação do parceiro sexual; Manaças, personalidade incompleta, nunca cumpridora do que promete, professor rejeitado da Faculdade de Letras de Lisboa por incumprimento de prazos no doutoramento; e Joana, filha da Dra. Lúcia, de personalidade desestruturada e comportamento promíscuo.
Evitando revelar o enredo, que, como o filhetinismo obriga, vive de contínuas peripécias, de sobressaltos inesperados e da revelação de imprevistos e imprevisíveis segredos familiares, aos três "d. Juans" opõem-se, respectivamente, a Sara/Esmeralda, Luís, alcoólico mas devoto estudioso, professor da faculdade, esperando da vida uma oportunidade de purificação para  retomar o caminho certo, oportunidade que lhe é concedida quando conhece Sara/Esmeralda, e, finalmente a Dra. Lúcia, psicóloga, mentora e alma da APAV, mãe de Joana, que, no final, um final arrebatador e comovente, conhece definitivamente quem é o pai de Joana. Sobre todas as personagens, Manuela, doutorada Faculdade de Letras de Lisboa, privilegiada da Dr. Lúcia, esclarece, por via da análise da obra do filósofo dinamarquês S. Kierkegaard,  a teoria do amor.
Ao leitor caberá dar conteúdo ao título do romance, escolhendo Sara ou Dra. Lúcia para "a mulher que venceu D. Juan". Nós optámos por Sara, mas também é possível heroificar a acção voluntária da Dra. Lúcia como a mulher que vence todos os D. Juan.
Romance empolgante, de leitura sedutora, harmonizando o português coloquial com um vocabulário erudito e académico, racionalmente labiríntico na urdidura da teia relacional entre as personagens, realista no desenho e denunciador da violência doméstica na finalidade, A Mulher que venceu D. Juan é, indubitavelmente, uma estreia literária muito, fortemente promissora. Aguardamos com expectativa um novo romance de Teresa Martins Marques.

      Teresa Martins Marques,  A Mulher que Venceu Don Juan.

     Lisboa, Âncora Editora, 2013 (326 p. )

MIGUEL REAL
(Texto publicado no Portal da Literatura)
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Miguel Real

Escritor português, ensaísta e professor de filosofia Miguel Real, pseudónimo de Luís Martins, nascido em 1953, conquistou em 2006 o Prémio Literário Fernando Namora com o romance A Voz da Terra.
Miguel Real fez a licenciatura em Filosofia na Universidade de Lisboa e, mais tarde, um mestrado em Estudos Portugueses, na Universidade Aberta, com uma tese sobre Eduardo Lourenço.
Estreou-se no romance, em 1979, com O Outro e o Mesmo, com o qual viria a ganhar o Prémio Revelação de Ficção da APE/IPLB. Em 1995, voltou a ser distinguido com um Prémio Revelação APE/IPLB, desta vez na área de Ensaio Literário, graças à obra Portugal - Ser e Representação. Outra distinção importante surgiu em 2000, o Prémio LER/Círculo de Leitores, com o ensaio A Visão de Túndalo por Eça de Queirós.
Em 2001, recebeu uma bolsa do programa Criar Lusofonia, do Centro Nacional de Cultura, que lhe permitiu percorrer o itinerário do Padre António Vieira pelo Brasil. A esse propósito escreveu um diário, editado em 2004, intitulado Atlântico, a Viagem e os Escravos.
A partir de 2003, com a novela Memórias de Branca Dias, passou a escrever simultaneamente um ensaio e um romance para evitar incluir teoria (filosófica, principalmente) na ficção.
Em 2005, Miguel Real lançou o romance histórico A Voz da Terra, cuja a ação decorre na época do terramoto de 1755, que viria a ter grande reconhecimento por parte da crítica e do público. A Voz da Terra proporcionou ao autor a conquista da edição de 2006 do Prémio Literário Fernando Namora, um dos mais prestigiantes galardões literários a nível nacional.
Simultaneamente ao romance A Voz da Terra foi publicado o ensaio O Marquês de Pombal e a Cultura Portuguesa, situado na mesma época.
Já em finais de 2006 foi lançado o romance O Último Negreiro, sobre o traficante de escravos Francisco de Félix de Sousa, que viveu em São Salvador da Baía e Ajudá, no Benim.
Paralelamente ao romance e ao ensaio, Miguel Real dedicou-se, regularmente, à escrita de manuais escolares e de adaptações de teatro, estas em colaboração com Filomena Oliveira.
Começou a colaborar regularmente no jornal literário Jornal de Letras a partir de 2000.
ver definição de romance...
  
Como referenciar este artigo:
Miguel Real. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-06-06].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$miguel-real>.

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