07/07/2014

Monte da Caparica,APAV , a violência doméstica e "A Mulher que...

 No Monte da Caparica o cheiro bom da cozinha, onde a Maria preparava o jantar. Como se chamaria ela? Ali todas usavam um nome falso, só a Drª Lúcia sabia o verdadeiro. A vivenda da APAV era confortável, as outras  mulheres sentiam-se  como peixe na água, não fora a poluição da memória.
−  Maria, fizeste pataniscas ?
− E tu que não acertasses logo, com esse faro que Deus te deu!
Sete meses passaram desde que entrou naquela casa. Foi a Maria que lhe limpou os restos de sangue, foi a Antónia que lhe lavou a roupa, uma senhora tão linda e tão fina o que é que lhe fizeram, santo Deus!?  Foi a Marta que lhe disse, não está sozinha, agora nós somos a sua família.
Os monstros aqui não entram. − Dizia a Odete levantando uma  vassoura no ar.  Foi com essa vassoura que me ensinou a varrer e a tirar as teias de aranha.  Semanas depois, já  queria dar-me o diploma de mestra de limpezas.
− Ai se a sonsa da tua criada te visse agora! Nunca mais fazia troça da patroa dondoca, que não sabia estrelar um ovo nem mexer uma palha. Agora agarravas na vassoura, partias-lhe os cornos a ela e ao mânfio do teu marido. Ganda-filho-da-puta!
− Cala-te, mulher, − atalhou  a Maria, − não ponhas mais lume na fogueira.
 Sara tapava os ouvidos com as duas mãos, fugia para o quarto, metia-se na cama e lembrava-se das sovas, do resto. De tudo. De patroa ela só tinha o nome. Era ele quem pagava o  ordenado à criada,  ficava bem claro quem era ali o patrão.
   Agora não queria pensar no lixo do passado. Queria sentar-se à mesa diante daquela comida simples, esquecer-se do último jantar no Olivier da Rua do Alecrim e, sobretudo, esquecer o que se seguiu depois. Ter esperança de algum dia esquecer.
 −  Esmeralda, conta lá como é que é esse  teu patrão?
 −  Como os outros. Tu não dizes que são todos iguais?
 −  Lá isso são, mas há uns ainda mais marafados do corname…
 − Mas que é isto? Respeitinho, que é bonito e eu gosto! − atirou outra a fuzilar a linguaruda.
− Mulher, inda te vais embeiçar por ele… Era agora a Maria, profeta  finória  como só ela sabia ser.
− Desculpa lá! Tu és a única madama no mundo que eu trato por tu. E carregava no “tu”. Desculpa, mas tou quem nem posso, com essa do corname! E ria, ria muito. Porra para eles!
−  E ela a dar-lhe.
−  Se não me rir inda é pior.
Começavam todas a rir, muito alto, um riso estridente, molhado de lágrimas que limpavam ao avental.  Riam a fingir de esquecidas dos maus tratos, esquecendo ou fingindo que não lembram que um dia pode aparecer um bandido à porta, como o da Filomena, de faca na mão a gritar, ganda- cabra, tu fugiste-me ? Mas vais voltar comigo já pró redil, que eu é que te  amanso, minha  cordeira lanzuda!  E puxava-lhe a farta cabeleira negra, enquanto gritava e agitava a faca como um florete: 
 − Já à minha frente, sua ganda-puta!
E a Filomena, que parecia tão valente, começou a esbracejar, com a voz repassada de medo, encandeada, como o passarinho e a cobra .
− Isto é o vinho, logo lhe passa, deixem, deixem…
E deixou uma chinela para trás, com o puxão que  lhe deu, as outras a gritar, Nossa Senhora  de Fátima nos acuda, eu escondida  ao fundo do corredor a ouvir tudo, pregada ao chão,  a tremer.  A Antónia agarrada a mim, aos empurrões, a proteger-me, toca a andar  já daqui para fora.
  A Filomena. Passaram alguns meses sem sabermos dela. Um dia a  Drª Lúcia trouxe a notícia. Tinha aparecido morta com um golpe fundo na  garganta e o bandido  foi entregar-se  todo lampeiro e cumpridor das leis – “Já cá estou, ó senhor guarda, não precisa de me ir buscar a casa… Estava com os copos  não sei o que fiz.”
  Depois de vários interrogatórios já sabia o que tinha feito:
− A cabra estava a pedi-las… Espero que aquele monte de esterco  não me deixe ficar nódoas nos mosaicos da cozinha.
Lá foi a pagá-las a Custóias. Ela em Agramonte.

Durante dias ninguém riu, andávamos de luto pela Filomena. De luto por nós todas. Pensava para dentro, um dia poderei ser eu.  Por fim, sobra o silêncio.
Fonte: "A Mulher Que Venceu Don Juan"

4 comentários:

  1. Dida Garcia :
    Abaixo a violência doméstica para sempre!Abaixo os monstros!A denúncia é fundamental.

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  2. Ana Diogo:
    "Os monstros aqui não entram" - só a solidariedade de quem conhece o sabor amargo da violência doméstica.

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  3. quem pratica violência doméstica deviam fazer-lhe o mesmo e mias nada,havar se eram valentes.

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  4. A Polícia Judiciária (PJ) anunciou esta terça-feira a detenção, em Vila Nova de Foz Côa, de um homem de 23 anos, pela alegada prática de crime de abuso sexual a uma criança de 12 anos.

    Segundo o Departamento de Investigação Criminal da PJ da Guarda, o detido é suspeito da prática de um crime de abuso sexual de criança, «ocorrido por várias vezes, no período compreendido entre fevereiro e maio de 2013», no concelho de Vila Nova de Foz Côa.

    «A vítima terá sido seduzida e levada a encetar um relacionamento amoroso com o ora detido, anterior companheiro de uma irmã mais velha daquela, mantendo com ele vários contactos sexuais», refere a fonte em comunicado enviado à agência Lusa.

    O detido, funcionário num posto de abastecimento de combustíveis, foi presente às autoridades judiciárias para primeiro interrogatório judicial e aplicação de eventuais medidas de coação, segundo a PJ.

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